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Lei da segunda sem carne: valha-nos santa Margaret Thatcher

Como o inferno está cheio delas, a boa intenção da lei que elimina carne uma vez por semana em órgãos públicos resulta em mais uma inutilidade intrusiva

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 29 dez 2017, 15h20 - Publicado em 29 dez 2017, 15h11

São Francisco de Assis que proteja o deputado Feliciano Filho e suas boas e necessárias ações em defesa dos animais domésticos, silvestres e de criação. E que a justiça não lhe falte em imparcialidade no processo por maus tratos num abrigo de cachorros da Ong que criou.

“As fotos e as descrições da situação encontrada impressionam até os que não são especialmente sensíveis à causa, pelo grau de crueldade que estava sendo praticado”, dizia a ação aberta pelo Ministério Público em 2014 sobre o estado dos 40 cães lá encontrados.

E que o espírito Margaret Thatcher – já que a Igreja Anglicana não faz mais santos e, se pudesse, mandaria a czarina do liberalismo para o inferno – nos proteja de cretinices como o projeto de lei de autoria de Sua Excelência, aprovado pela eminentíssima Assembleia Legislativa de São Paulo, sempre tão preocupada com os interesses da população.

O projeto institui, como as excelências gostam de dizer, a Segunda sem Carne, pregada pela militância vegetariana em todo o mundo como o primeiro passo para convencer os atrasados comedores de proteína animal a reconhecer os seus pecados e se converter à causa.

Como, ainda, não conseguem obrigar a população in totum a passar as segundas com arroz, feijão e verdura, sem mistura, – e, francamente, nem gostariam de desagradar a cadeia da carne, cadeia no sentido figurado, fora para os figurões do ramo atualmente recolhidos ao sistema prisional -, o projeto de lei vale para refeitórios, restaurantes e lanchonetes de escolas estaduais e órgãos públicos.

Todos os envolvidos têm que fixar “um cardápio alternativo sem carne e seus derivados”, sob pena de multa de 300 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, um abantesma do burocratês hoje equivalente a 7 521 reais.

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Se sancionada, a lei evidentemente não vai pegar, embora nunca possamos subestimar a capacidade do estado de criar insanidades par ao infeliz cidadão comum resolver.

O mais provável é que as crianças recebam menos proteínas e que as diretoras de boas escolas – existem, sim, e oferecem uma respeitável alimentação a seus alunos – sejam as únicas a ter uma preocupação desnecessária em sua longa lista de exigências burocráticas.

Como foi feito para não pegar, o projeto do deputado Feliciano – por infelicidade, menos conhecido que seu homônimo – é o tipo de inanidade que jornalistas bem intencionados e políticos com as intenções de sempre elogiam em uníssono.

Ainda bem que Margaret Thatcher continua espiritualmente presente para nos avisar: “Para mim , o consenso parece ser o processo de abandono de todos os princípios, valores e convicções políticas. Portanto, é algo em que ninguém acredita e a que ninguém objeta.”

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Mrs. Thatcher, como o povão a chamava (sindicalistas, esquerdistas e elitistas em geral preferiam a palavra bruxa, para ficar na mais publicável), acreditava em convicções. E em brigas, debates, eleições, até em guerra, como descobriram os generais argentinos que imaginaram lhe passar a perna.

Qualquer coisa que envolvesse a energia do confronto de ideias e não a letargia do consenso sem preço a pagar. Que outra pessoa na posição de líder de uma potência nuclear teria coragem de dizer que “um mundo sem armas nucleares seria menos estável e mais perigoso para todos nós”?

Antes de chegar aos dez anos gloriosos, pela força de suas ideias, mesmo para quem não concordasse com todas elas, Thatcher teve seu próprio embate na esfera da alimentação escolar.

Como secretária da Educação durante o governo do primeiro-ministro Edward Heath, que postumamente vive recaindo em investigações sobre pederastia, ela acabou levando a culpa pelo corte do leite para crianças acima de sete anos das escolas públicas.

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Em inglês, o caso rendeu uma rima que os inimigos políticos nunca a deixaram esquecer: “Thatcher, Thatcher, milk-snatcher”. A ladra de leite.

Quase 20 anos depois, já como primeira-ministra, rejeitou o corte do leite para todas as crianças em nome do equilíbrio das contas – um princípio sagrado para ela, mas não para fazer uma economia banal. “Qualquer coisa que economize 400 milhões de libras, vou levar em consideração. Mas não quatro milhões”, anotou à margem da proposta.

Michelle Obama também descobriu, à sua maneira, que querer obrigar os estudantes a comer o que é certo também pode dar errado. Seu projeto de alimentação saudável nas escolas redundou em milhões e milhões de refeições jogadas no lixo. Donald Trump o sepultou de vez.

Isso não significa que as escolas americanas possam dar porcarias para os estudantes comer – embora o conceito de porcaria seja bem elástico nos Estados Unidos.

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Mas legislar sobre comida pode criar uma intrusão na segunda parte mais sensível do ser humano, depois do bolso: o estômago.

Proteger os animais, inclusive os criados e abatidos para consumo humano, muitas vezes em condições medonhas, é um requisito ético elementar. Distinguir entre os políticos que defendem boas causas e os que as usam em causa própria é obrigação dos eleitores que não querem ser lubridiados.

Esperemos que o deputado Feliciano Filho, e todos os seus  excelentíssimos colegas, sejam da primeira categoria.

E que Margaret Thatcher esteja sempre rondando para nos lembrar:”Alguns socialistas parecem acreditar que as pessoas deveriam ser números num computador do estado. Nós acreditamos que deveriam ser indivíduos. Somos todos desiguais. Ninguém, graças aos céus, é igual ao outro, por mais que os socialistas queiram que sejam. Nós acreditamos que cada um tem o direito de ser desigual, mas que todo ser humano é igualmente importante.”

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