Em 2005, o escritor chinês Mo Yan, que sete anos depois seria condecorado com o Nobel de Literatura, esteve na Itália para receber o Prêmio Nonino e de quebra recebeu também a encomenda de um editor: um texto sobre as transformações sofridas pela China nos trinta anos anteriores. Yan, que a princípio recusou o trabalho, acabou fazendo mais do que o proposto: a partir de uma narrativa sobre a própria vida, ele aborda situações passadas e presentes da China desde 1969. Este é o conteúdo de Mudança (tradução de Amilton Reis, Cosac Naify, 128 páginas, 29,90 reais), primeiro título de Mo Yan a chegar ao Brasil.
O livro, como literatura, não tem nada de especial. O texto, embora leve e com momentos engraçados, talvez seja o mais fraco do catálogo de Yan. Mas é mesmo pelo ineditismo – por ser o primeiro do Nobel chinês a sair no Brasil – e pelas pinceladas que dá da China que Mudança se faz interessante. Se não chega a escancarar a porta para o país asiático, abre diversas frestas para observá-lo.
Apesar de autobiográfico, o livro traz poucas informações do autor. Há quase nada sobre a sua vida pessoal, exceto que sua família é de camponeses de renda média e que ele se casou em 1979, e alguns dados curriculares, que Yan ou usa com honestidade ou, o que é difícil atestar, para criar para si mesmo a imagem que têm dele especialistas: de que não é nem um crítico ferrenho do governo chinês nem um artista que se vendeu, mas alguém que faz um pouco do jogo político possível na China, sem submeter por completo, para conseguir melhores condições de vida e de publicação.
No começo, por exemplo, Yan conta que foi expulso da escola ainda adolescente, depois de responsabilizado, segundo ele injustamente, pelo apelido de “sapo” dado a um professor. “Na verdade, eu nutria um sentimento profundo por minha escola, em especial pelo professor Boca Grande. Porque eu também era um menino de boca grande”, se defende. Sua entrada para o Exército também não tem, diz ele, nenhuma motivação ideológica. “Pensei muito e concluí que a carreira militar seria o único meio de sair da aldeia e mudar de vida”, escreve. Se ele fosse para o front e morresse, viraria mártir, e sua família teria um “status político” diferenciado. “Faria valer a pena terem me criado.”
O desapego ideológico também é visto nos comentários sobre Mao Tsé Tung. Depois de dizer que a notícia da morte de Mao, em 1976, lhe tirou o chão, Yan reconhece que a China está melhor sem ele. “Dois anos mais tarde, o país não apenas sobrevivera como melhorava a cada dia. As faculdades voltaram a fazer exames de admissão, proprietários de terra e camponeses ricos deixaram de ser estigmatizados, agricultores passaram a ter mais grãos em casa e até os bois das equipes de produção engordaram.”
É com esse olhar, de aparente independência de pensamento, que Mo Yan fala sobre a China de ontem e de hoje. Confira abaixo alguns trechos de Mudança:
[lista id=”1743″]