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O alto risco do intermediário

Na semana em que a CPI interroga intermediários de empresas que negociavam vacinas com o governo, Daniel Lança analisa os perigos desses intermediários

Por Daniel Lança
Atualizado em 18 jul 2021, 08h36 - Publicado em 17 jul 2021, 20h16

Não bastassem os riscos inerentes à realização de qualquer negócio com setor público, há um fator adicional que aumenta exponencialmente a vulnerabilidade nessas relações comerciais: a existência dos intermediários. Na semana em que a CPI da Covid interroga atravessadores suspeitos de corrupção nas negociações de vacinas, o momento parece oportuno para discutir a figura do intermediador e os perigos inerentes à sua contratação. 

O intermediário de negócios existe em qualquer lugar do globo e não são proibidos pela nossa legislação, embora nem sempre ajam de maneira lícita e transparente. Aparentemente, pode-se dizer que eles agregam valor ao conectar vendedor e comprador numa relação de sucesso empresarial. Todavia, mesmo nas intermediações consideradas legais, é de se perguntar por que ainda existe tal figura, bem como buscar compreender quais são os perigos oriundos da contratação de um intermediário, sobretudo nos negócios com a Administração Pública. 

O primeiro grande perigo de qualquer intermediação é que, por conceito, o intermediário fala em nome da organização que o contratou. Mesmo que sem uma procuração formal, ele é o representante daquela empresa – o que ele fala, a empresa assina embaixo; a forma como ele se porta é o cartão de visitas da contratante. 

O segundo perigo é umbilicalmente inerente ao primeiro: dificilmente há controle sobre o que o intermediário faz ou fala. Se um atravessador comete qualquer crime, como tráfico de influência ou corrupção ativa, é praticamente impossível tanto saber, quanto controlá-lo ou impedi-lo. 

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A própria forma de contratação de um intermediador é naturalmente conflituosa, já que quase sempre sua remuneração se dá por comissão, calculada pelo desempenho do negócio gerado. Quanto maior o negócio, maior seu rendimento, o que torna convidativa a utilização de estratagemas agressivos, incomuns ou mesmo ilegais. 

Talvez a pior notícia para as empresas que desejem contratar um intermediário é que a Lei Anticorrupção brasileira (Lei Federal nº. 12.846/13) adota o instituto da responsabilidade objetiva. Ou seja, caso um intermediário pratique qualquer dos atos lesivos contra a Administração Pública previstos na lei, mesmo que sem o conhecimento, consentimento ou autorização da organização, tanto o intermediário quanto a empresa serão responsabilizados civil e administrativamente. A principal pena aplicada às empresas é multa de até 20% do faturamento bruto do ano anterior. 

Por isso, as maiores organizações do mundo investem tanto em compliance – ou Programas de Integridade, na expressão usada pela lei brasileira. Suas ferramentas permitem mitigar riscos de corrupção e outros desvios éticos corporativos, inclusive por intermediários, seja pelos processos de due diligence (em que se busca conhecer melhor o histórico daquele intermediador), além da obrigatoriedade de assinatura de compromissos antissuborno e mesmo da realização periódica de treinamentos, de modo a demonstrar que a organização contratante não tolera desvios éticos e mitigar eventual responsabilidade vindoura em caso de violação à lei anticorrupção.

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Infelizmente, a figura dos intermediários transformou-se numa institucionalização da venda de influência para facilitação de negócios com o governo. No caso atual das negociações de vacinas, a impressão é que alguns amigos da corte abordam avidamente empresas interessadas em vender para a Administração Pública – e não o contrário – desde que estejam dispostas ao pagamento de vultosas comissões, mesmo que essas empresas não saibam – ou não desejem saber – como tais intermediários negociam nem quais métodos utilizam.

Faço uma provocação que vai à raiz do problema: será que realmente intermediários são necessários e desejados? No mundo ideal, negócios – sobretudo com a Administração Pública – devem ser realizados de maneira justa, transparente e meritocrático para quem tem o melhor produto e preço, e não quem tem os melhores contatos, ainda que intermediados por terceiros. Numa intermediação, o risco é alto para todas as partes envolvidas. 

Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)

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