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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Limites éticos à liberdade de não se vacinar

Daniel Lança analisa os recentes protestos antivacina nos EUA e aponta dilemas éticos na limitação da liberdade individual

Por Daniel Lança
4 jul 2021, 09h31

Há alguns dias atrás, um grupo de ativistas antivacina protestava em Nova Iorque contra a exigência de vacinação para frequentar eventos nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que uma pesquisa aponta que menos de 1% das mortes por COVID-19 nos EUA em maio foram de pessoas não-vacinadas. No centro do debate, uma questão chave: os setores públicos ou privados podem limitar o acesso de quem deliberadamente não quer se vacinar? Há limites à liberdade individual?

A questão em voga é um debate dos mais antigos e ao mesmo tempo imensamente atual. Para tanto, é preciso retomar conceitos importantes. O primeiro deles é o direito inerente à liberdade individual.

A própria concepção do Estado moderno pressupõe sua existência não apenas para garantir a execução de políticas públicas à coletividade, mas assegurar a liberdade do indivíduo como sustentáculo da sua dignidade, inclusive protegendo-o de eventual tirania estatal. Ayn Rand certa vez ensinou que a menor minoria na Terra é o indivíduo, como forma de assegurar que toda individualidade deve ser protegida.

Nesse condão, não é razoável aceitar que, em um estado democrático de direito, governos obriguem os cidadãos a serem vacinados. O valor da liberdade garante ao indivíduo o direito a não aceitar tratamento médico ou transfusão de sangue, por exemplo, resguardada sua autodeterminação e exercício de liberdade religiosa.

Todavia, o valor da liberdade encontra limites. Nos casos de colisão entre princípios constitucionais, o direito fundamental da liberdade de um indivíduo pode ser limitado pelo exercício da liberdade de outras pessoas, seguindo a máxima de que a sua liberdade termina onde começa a do outro. Nesse sentido, um evento privado poderia limitar a entrada de pessoas não vacinadas por conveniência do organizador. Liberdade aliada à responsabilidade.

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Ainda, há um segundo elemento fundamental para o debate. A limitação da liberdade individual encontra amparo no conceito de ética, isto é, no agir humano no mundo como parâmetro que orienta as decisões individuais visando o bem estar coletivo. Assim, o valor ético da coletividade (ou de inúmeras individualidades) tem o condão de limitar a liberdade de um indivíduo.

É exatamente o que acontece com a pandemia da COVID-19 no mundo inteiro. A negação da vacinação, por alguns, afeta a coletividade. Isso porque o coronavírus comporta-se como uma doença de fácil transmissão, mesmo por pessoas assintomáticas, e que gera forte pressão sobre equipamentos de saúde pública. Em tempos extremos, a limitação da liberdade individual protege a coletividade.

Aqui, inverte-se o primeiro argumento: o Estado não somente é garantidor das liberdades individuais, mas protetor do bem estar coletivo. Para tanto, a Constituição preconiza um princípio interessante: a supremacia do interesse público sobre o particular. De acordo com esse valor constitucional, o Estado pode, por exemplo, desapropriar um terreno para a construção de uma via, independentemente da autorização do proprietário, cabendo apenas o justo processo indenizatório, por entender predominante o interesse coletivo.

De acordo com o princípio da supremacia do interesse público, justifica-se a imposição de medidas restritivas contra quem não quer ser vacinado, seja na organização de eventos públicos como quanto no seu papel regulador da atividade privada.

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Embora baseada no princípio da ética – ou do bem estar da coletividade – algumas medidas de segregação trazem consigo outros dilemas éticos, como quanto à divisão do mundo entre vacinados e não-vacinados. Em tempos de escassez de vacinas, boa parte dos imunizantes ainda é maciçamente distribuída a países ricos, de modo que tal segregação garantiria direitos especiais a grupos privilegiados e, assim, aumentaria o abismo social e econômico.

O atual debate sobre segregação entre vacinados e não-vacinados ganha especial força no mundo no momento em a União Europeia, além de países como Israel, acaba de adotar o passaporte de vacinação, mesmo sob protestos de quem sustenta o prejuízo da limitação da liberdade de ir e vir e do exercício profissional.

Ao leitor, cabe a reflexão: em tempos extremos como os atuais, justifica-se a limitação da liberdade individual visando a proteção da saúde pública e a vida de pessoas ainda não vacinadas a partir de uma chave de leitura ética? Ou tal imposição apresenta-se como pura e simples discriminação e tirania por parte do Estado? 

Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)

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