A obsessão bolsonarista com o ‘antro esquerdista’ da Fiocruz
Instituição, que tem 120 anos de existência e é estratégica no combate à Covid-19, é alvo de fake news e ameaças desde a chegada de Bolsonaro ao poder
O áudio no qual a secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, afirmava que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) era um antro de esquerdismo não é uma visão isolada entre os seus companheiros ideológicos: o bolsonarismo, incluindo o seu mentor, o presidente Jair Bolsonaro, sempre teve essa visão paranóica da instituição centenária, uma das mais respeitadas entidades científicas do mundo.
“Eles têm um pênis na porta da Fiocruz. Todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do’ Lula livre’, ‘Marielle vive’. É um órgão que tem um poder imenso, porque durante anos eles controlaram, através do movimento sanitarista, que foi todo construído pela esquerda, a saúde do país”, diz a secretária no áudio que foi exposto na CPI da Pandemia pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), durante depoimento de Pinheiro na terça-feira, 25.
Conhecida como “Capitã Cloroquina”, em razão da defesa que faz do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 – que não tem nenhuma eficácia comprovada –, Pinheiro confirmou que o áudio era dela. Quando o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), disse ter entendido “tênis” na fala, ela rebateu. “Não, senhor. Existia um objeto inflável em comemoração a uma campanha na porta da entidade”, afirmou.
Desde o início de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro vivia dizendo que um dos objetivos de seu mandato era “desesquerdizar” as instituições e sempre citava a Fiocruz como um desses locais, segundo confirma o primeiro ministro da Saúde do governo, Luiz Henrique Mandetta. “A Fiocruz era a casa da esquerda, do comunismo. Ouvi isso várias vezes do Bolsonaro. Quando viram que o Doria começou a se mexer, acho que eles perceberam que tinham que apostar na da Fiocruz”, conta o ex-ministro, hoje opositor ao governo.
A referência de Mayra Pinheiro ao “movimento sanitarista” se explica pelo nome da instituição: Oswaldo Cruz foi um dos mais importantes sanitaristas brasileiros e, por ironia, teve que enfrentar talvez o maior movimento negacionista antes dos anos Bolsonaro: a Revolta da Vacina, quando a população do Rio de Janeiro se rebelou contra as campanhas lideradas pelo médico para erradicar doenças como a peste bubônica e a febre amarela.
Há mais duas ironias no episódio. Uma é que o ataque sem sentido à instituição veio no dia do seu aniversário – a Fiocruz foi fundada no dia 25 de maio de 1990. A outra é que, como disse Mandetta, a Fiocruz é agora a principal aposta de Bolsonaro para fazer frente à pandemia e ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o Instituto Butantan, responsável pela CoronaVac: a entidade ligada ao governo federal, em parceria com a Astrazeneca, firmou contrato para produzir 100,4 milhões de doses da vacina contra a Covid-19.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, será ouvida em audiência na CPI da Pandemia, em data ainda a ser definida. O seu depoimento estava previsto para a terça-feira, 25 de maio, mas foi adiado depois que a agenda de audiências foi alterada em razão de o depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello ter durado dois dias — e não um, como era esperado.
Nesta quinta-feira, 27, será ouvido o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas.