Wajngarten não ouviu Tim Maia e foi à CPI
Ex-secretário de Bolsonaro pediu para depor e foi acusado de mentir, verbo usado 186 vezes pelos senadores de forma direta e outras 89 de maneira indireta
Fabio Wajngarten, 46 anos, publicitário que nos últimos 12 meses chefiou a Secretaria de Comunicação de Jair Bolsonaro, parece não ter entendido que a mentira é arte, é difícil e requer alguma graça.
Ele pediu para depor na CPI da Pandemia ontem. Antes de ir, deveria ter lido “Vale Tudo — O Som e a Fúria”, de Nelson Motta, onde ecoa o vozeirão do “filósofo” bem-humorado Tim Maia em confissão: “Eu não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único defeito é mentir um pouquinho.”
Wajngarten se apresentou com incontáveis evasivas no palco de uma comissão parlamentar criada para apurar como o governo chegou ao descontrole na gestão da pandemia, em cujo rastro já se contam 428 mil mortos — três vezes mais que o total de vítimas da bomba atômica em Hiroshima, em 1945.
Deu errado. O ex-secretário passou mais de seis horas sendo acusado de mentir, à CPI ou na entrevista gravada que deu ao repórter Policarpo Junior, de Veja, descrevendo a “incompetência” e a “ineficiência” governamental na pandemia. O verbo foi usado no plenário 186 vezes de forma direta e outras 89 de maneira oblíqua.
“O senhor precisa responder de forma objetiva”, insistiam os senadores. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que ele havia pedido para depor: “Sr. Fábio, o senhor só está aqui por causa da entrevista da revista Veja; senão, a gente nem lembraria que o senhor existiu. Está me entendendo? Só por causa disso. Não tem outra razão para você estar aqui.”
Já era noite, quando o moderado Aziz também ficou impaciente: “Não está respondendo. O senhor está mentindo aqui para todos nós…”
“Mentindo?” — disse Wajngarten, em tom de quase perplexidade.
“Está!” — retrucou Aziz. “Vossa Excelência está confiando em quê, lá na frente, meu amigo? Porque deixe eu lhe dizer uma coisa.”
“Pois não”, respondeu o ex-secretário.
“Olha, isso tem consequências futuras”, ponderou Aziz, evocando a experiência como parlamentar e ex-governador do Amazonas. “Só quem já enfrentou processo sabe que isso não acaba amanhã. Não acaba amanhã, não. A gente se sente meio protegido quando tem o poder por trás da gente. Depois que não tem o poder, a gente fica abandonado, e, aí, é o arrependimento. Eu estou lhe dando um conselho: seja objetivo e verdadeiro aqui na CPI…”
Renan atalhou incisivo: “E não minta!”
Aziz continuou: “… E eu quero lhe dizer, olhando para o senhor, a prisão seria o menor castigo que você vai sofrer na vida, porque hoje, aqui, você não ficou bem com ninguém. Você entregou um documento [carta-proposta da Pfizer para venda vacinas, ignorada pelo governo durante meses] que ninguém tinha conhecimento. Você não agradou o governo, não agradou a ninguém. Então, você vai sofrer, e isso eu lhe digo… A vida machuca a gente, e a prisão não seria nada mais terrível do que você perder a credibilidade, você perder a confiança e você perder, principalmente, o legado que você construiu até agora. A CPI tem desdobramentos e os desdobramentos demoram anos, às vezes, para saírem da vida da gente.”
Puxou o microfone e relatou o que vira momentos antes, num intervalo: “Eu estava assistindo à Globo News e ouvi o atual ministro [da Saúde, Marcelo Queiroga], que vai voltar aqui, porque mentiu muito. Mentiu demais, mentiu até mais do que você. Ele vai voltar, e aí ele vai ter que dizer como é que ele diz que ‘nunca é tarde’ [para o governo] ? Depois de 425 mil mortes [número de anteontem], o ministro da Saúde diz que ‘nunca é tarde’ !”
Irritou-se, e se dirigiu ao ministro que estava no gabinete do outro lado da rua, a meio quilômetro de distância: “Não é tarde para você, ministro, que não perdeu nenhum familiar!” — Aziz perdeu um irmão na tragédia de Manaus, quando faltou até oxigênio nos hospitais. “Não é tarde para você, ministro, que não perdeu amigos! Não é tarde para você, ministro, que não ficou órfão! É tarde para quem ficou órfão, para quem perdeu pessoas queridas, para quem perdeu familiares e para quem perdeu amigos. É tarde, sim, ministro! Nós poderíamos ter resolvido isso muito antes.”
Tentou se acalmar: “Então, não duvidem… Hoje, eu posso não ter tomado a decisão que muitos queriam [a prisão de Wajngarten]. Mas eu acho que você trouxe uma contribuição para esta CPI [a carta da Pfizer] que ninguém, nenhum depoente, trouxe até agora. Mas não se iludam que eu não vou ter essa parcimônia em relação aos outros depoimentos. Tenham certeza disso.”
Wajngarten recolheu papéis e mergulhou na noite de Brasília, cidade melancólica aos olhos de quem é flagrado no autoengano do poder, mas onde sempre tem alguém encarando a vida como ela é ao som de “Vale Tudo”, no vozeirão de Tim Maia.