Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

José Casado Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por José Casado
Informação e análise
Continua após publicidade

Wajngarten não ouviu Tim Maia e foi à CPI

Ex-secretário de Bolsonaro pediu para depor e foi acusado de mentir, verbo usado 186 vezes pelos senadores de forma direta e outras 89 de maneira indireta

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 Maio 2021, 07h56

Fabio Wajngarten, 46 anos, publicitário que nos últimos 12 meses chefiou a Secretaria de Comunicação de Jair Bolsonaro, parece não ter entendido que a mentira é arte, é difícil e requer alguma graça.

Ele pediu para depor na CPI da Pandemia ontem. Antes de ir, deveria ter lido “Vale Tudo — O Som e a Fúria”, de Nelson Motta, onde ecoa o vozeirão do “filósofo” bem-humorado Tim Maia em confissão: “Eu não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único defeito é mentir um pouquinho.”

Wajngarten se apresentou com incontáveis evasivas no palco de uma comissão parlamentar criada para apurar como o governo chegou ao descontrole na gestão da pandemia, em cujo rastro já se contam 428 mil mortos — três vezes mais que o total de vítimas da bomba atômica em Hiroshima, em 1945.

Deu errado. O ex-secretário passou mais de seis horas sendo acusado de mentir, à CPI ou na entrevista gravada que deu ao repórter Policarpo Junior, de Veja, descrevendo a “incompetência” e a “ineficiência” governamental na pandemia. O verbo foi usado no plenário 186 vezes de forma direta e outras 89 de maneira oblíqua.

“O senhor precisa responder de forma objetiva”, insistiam os senadores. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que ele havia pedido para depor: “Sr. Fábio, o senhor só está aqui por causa da entrevista da revista Veja; senão, a gente nem lembraria que o senhor existiu. Está me entendendo? Só por causa disso. Não tem outra razão para você estar aqui.”

Já era noite, quando o moderado Aziz também ficou impaciente: “Não está respondendo. O senhor está mentindo aqui para todos nós…”

Continua após a publicidade

“Mentindo?” — disse Wajngarten, em tom de quase perplexidade.

“Está!” — retrucou Aziz. “Vossa Excelência está confiando em quê, lá na frente, meu amigo? Porque deixe eu lhe dizer uma coisa.”

“Pois não”, respondeu o ex-secretário.

“Olha, isso tem consequências futuras”, ponderou Aziz, evocando a experiência como parlamentar e ex-governador do Amazonas. “Só quem já enfrentou processo sabe que isso não acaba amanhã. Não acaba amanhã, não. A gente se sente meio protegido quando tem o poder por trás da gente. Depois que não tem o poder, a gente fica abandonado, e, aí, é o arrependimento. Eu estou lhe dando um conselho: seja objetivo e verdadeiro aqui na CPI…”

Renan atalhou incisivo: “E não minta!”

Continua após a publicidade

Aziz continuou: “… E eu quero lhe dizer, olhando para o senhor, a prisão seria o menor castigo que você vai sofrer na vida, porque hoje, aqui, você não ficou bem com ninguém. Você entregou um documento [carta-proposta da Pfizer para venda vacinas, ignorada pelo governo durante meses] que ninguém tinha conhecimento. Você não agradou o governo, não agradou a ninguém. Então, você vai sofrer, e isso eu lhe digo… A vida machuca a gente, e a prisão não seria nada mais terrível do que você perder a credibilidade, você perder a confiança e você perder, principalmente, o legado que você construiu até agora. A CPI tem desdobramentos e os desdobramentos demoram anos, às vezes, para saírem da vida da gente.”

Puxou o microfone e relatou o que vira momentos antes, num intervalo: “Eu estava assistindo à Globo News e ouvi o atual ministro [da Saúde, Marcelo Queiroga], que vai voltar aqui, porque mentiu muito. Mentiu demais, mentiu até mais do que você. Ele vai voltar, e aí ele vai ter que dizer como é que ele diz que ‘nunca é tarde’ [para o governo] ? Depois de 425 mil mortes [número de anteontem], o ministro da Saúde diz que ‘nunca é tarde’ !”

Irritou-se, e se dirigiu ao ministro que estava no gabinete do outro lado da rua, a meio quilômetro de distância: “Não é tarde para você, ministro, que não perdeu nenhum familiar!” — Aziz perdeu um irmão na tragédia de Manaus, quando faltou até oxigênio nos hospitais. “Não é tarde para você, ministro, que não perdeu amigos! Não é tarde para você, ministro, que não ficou órfão! É tarde para quem ficou órfão, para quem perdeu pessoas queridas, para quem perdeu familiares e para quem perdeu amigos. É tarde, sim, ministro! Nós poderíamos ter resolvido isso muito antes.”

Tentou se acalmar: “Então, não duvidem… Hoje, eu posso não ter tomado a decisão que muitos queriam [a prisão de Wajngarten]. Mas eu acho que você trouxe uma contribuição para esta CPI [a carta da Pfizer] que ninguém, nenhum depoente, trouxe até agora. Mas não se iludam que eu não vou ter essa parcimônia em relação aos outros depoimentos. Tenham certeza disso.”

Wajngarten recolheu papéis e mergulhou na noite de Brasília, cidade melancólica aos olhos de quem é flagrado no autoengano do poder, mas onde sempre tem alguém encarando a vida como ela é ao som de “Vale Tudo”, no vozeirão de Tim Maia.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.