Na Netflix: 7 filmes para eletrizar seu feriado
Opções vão da Inglaterra e dos Estados Unidos até a Índia e a Coreia, passando pelo drama, o suspense, a guerra, a sátira e o terror
Águas Rasas
A praia é deslumbrante, e também isolada. Só os locais sabem como chegar a ela, e planejam manter o segredo – o sujeito que levou Nancy (Blake Lively) até ali nem sequer revela o nome da praia, e o mesmo fazem os dois surfistas que logo vão embora. Não há mais ninguém à vista, e está prestes a escurecer. Nancy deveria ir embora também, mas seu coração pede mais meia hora, mais uma onda. Mas, com meia dúzia de braçadas na direção errada, ela invade sem querer o território de um tubarão-branco – e a fera, furiosa, decide que a turista será sua próxima refeição. Apenas uns 200 metros separam Nancy da areia, mas eles são intransponíveis. Blake Lively se mostra aqui uma atriz de enérgico compromisso físico e psicológico com sua personagem: cada vez mais esfolada, lacerada, queimada, enregelada e exausta, Nancy reage à provocação contra a sua vida com uma obstinação que em nada fica a dever à do tubarão. A direção é do catalão Jaume Collet-Serra, um mestre em fazer esse tipo de sensacionalismo com um dinamismo e uma originalidade que se bastam em si mesmos. São dele, por exemplo, Desconhecido, Sem Escalas e Noite Sem Fim, todos estrelados por Liam Neeson. Blake traz algo novo ao estilo do diretor: uma serenidade ante o perigo e uma racionalidade nos meios de enfrentá-lo que obrigam Collet-Serra a refinar suas artimanhas.
Missão: Impossível – Nação Secreta
Ethan Hunt tem um probleminha: sobreviveu às atenções de um sujeito com inclinações sociopáticas e uma mala cheia de ferramentas afiadas, mas agora está ferido e sem recursos para retornar à segurança de sua agência, a Impossible Mission Force, ou IMF. Desesperado, liga para o colega William Brandt (Jeremy Renner) pedindo apoio. Mas a IMF foi extinta e Ethan não apenas está sozinho no mundo, como é considerado foragido: deve ser capturado ou, se resistir, morto. Depende, portanto, de provar a existência de uma perigosíssima organização conhecida como Sindicato para demonstrar a necessidade da IMF e dele próprio, e assim impedir que as mesmas forças que o criaram venham a aniquilá-lo. Missão: Impossível – Nação Secreta é até melhor que o excelente filme anterior, Protocolo Fantasma, de 2011: é elegante, dinâmico, vibrante e vigoroso, e à ação assombrosa o diretor Christopher McQuarrie alia uma elegância estilística diretamente inspirada em Alfred Hitchcock. Em uma maravilhosa cena na Ópera de Viena, no ótimo timing cômico de Simon Pegg ou na presença da sueca Rebecca Ferguson, que tem cara e porte de estrela da velha Hollywood, tudo está no lugar certo. Sobretudo Cruise, que pelo menos por ora deixa demonstrado que alguns astros ainda podem ser únicos e insubstituíveis.
Jogo do Dinheiro
No papel de uma produtora de TV, Julia Roberts é a voz da consciência que tenta sussurrar alguma decência aos ouvidos de Lee Gates (George Clooney). O ruído, porém, é grande demais para que ela consiga se fazer ouvir: durante a hora diária em que apresenta o Money Monster, um espalhafatoso programa da TV a cabo, Lee se fantasia, faz-se acompanhar de dançarinas popozudas ou de rappers e dispara bordões vulgares. Sobretudo, dá ao telespectador comum conselhos sobre onde colocar seu dinheiro – mas suas dicas têm origem muito duvidosa. Por meses a fio, Gates “vendeu” no ar as virtudes das ações da Ibis Clear Capital. Na semana anterior, entretanto, a empresa tomou um tombo de 800 milhões de dólares. Ninguém tem culpa, alega a Ibis; foi um defeito no algoritmo usado por ela – como se isso fosse consolo para quem acaba de perder suas economias. Caso, por exemplo, de Kyle (Jack O’Connell), o jovem que invade o estúdio e, pistola em punho, obriga Lee a vestir um colete recheado de explosivos. Em seu quarto trabalho na direção, Jodie Foster casa drama e suspense com sátira.
O Grande Truque
Na Londres da virada do século 19 para o 20, dois jovens mágicos concorrem para desvendar os respectivos truques – primeiro movidos pela vingança, já que um atribui a morte de sua mulher ao outro, e depois pelo simples espírito de rivalidade, que nada é capaz de aplacar. O truque do filme: no momento em que ele foi feito, ambos os protagonistas tinham carreira como super-heróis – Hugh Jackman como Wolverine e Christian Bale como Batman. O que mais interessa ao diretor inglês Christopher Nolan (que então estava ainda no primeiro capítulo da trilogia Cavaleiro das Trevas), porém, é a diferença entre o que se vê e o que se pensa ter visto. O que é, de certa forma, uma homenagem ao próprio cinema. O filme tem ainda ótimas participações de Michael Caine, o ator-fetiche de Nolan, e de David Bowie, no papel do inventor Nicola Tesla.
Invasão Zumbi
Ainda no carro, rumo à estação ferroviária, o jovem financista Seok (Yoo Gong) e a filha pequena, Soo-an (Soo-an Kim), percebem uma certa agitação em Seul. Mas só dentro do trem, no trajeto até a cidade de Busan, eles se darão conta da calamidade: um após o outro, passageitos e tripulantes vão se transformando e instaurando o pânico nos vagões. Seok é um pai distante; trabalha muito, convive pouco e está levando Soo-an para Busan apenas para largá-la na casa da ex-mulher. O desespero faz o amor paterno aflorar com violência. Mas, se o sobressalto e a ansiedade que estão na base do cinema superlativo que tem saído da Coreia do Sul na última década e meia perturbam de maneira autêntica, é porque em geral essas emoções acompanham algum desastre sem alívio: os bons e os justos, as crianças e os cães – não há certeza de salvação para ninguém em filmes como Invasão Zumbi. Ainda que o título pareça autoexplicativo e a ação seja ininterrupta (além de magnificamente orquestrada), os mortos-vivos não são o centro do filme do diretor Sang-ho Yeon: desde o momento em que a epidemia de zumbis eclode até a última cena, o que está em jogo são as excessões que os personagens abrem (ou não) para si mesmos na premência de escapar da fome bestial dos metamorfoseados. A aflição não dá trégua, o arrependimento é constante – e não se surpreenda se, no fim, você estiver às lágrimas.
Quem Quer ser um Milionário?
Jamal (Dev Patel), de 18 anos, nasceu numa favela medonha de Mumbai, criou-se numa miséria desesperadora, foi vítima de exploração abjeta e não tem ninguém senão o irmão Salim (que enveredou pela bandidagem) e a garota Latika (Freida Pinto), que ele acredita ser seu destino. Mas, por força de sua resistência e de sua serenidade inata, Jamal alçou-se no mundo: tem um emprego como chai wallah, ou seja, serve chá em um centro de telemarketing. Quando Jamal é visto pela primeira vez, ele está numa situação ainda mais espantosa: acaba de se tornar o primeiro concorrente de um programa de perguntas e respostas a chegar perto do prêmio máximo de 20 milhões de rúpias. Que um favelado que mal foi à escola tenha acertado todas as questões até ali naturalmente desperta suspeitas; pode ser sorte, ou pode também ser fraude. Enquanto um investigador de polícia (o sempre maravilhoso Irrfan Khan) tenta extrair de Jamal a verdade, a explicação pouco a pouco vem à tona: as respostas corretas estavam todas contidas, de alguma forma, na vida pregressa de Jamal – que renderia não um, mas um punhado de melodramas. O diretor inglês Danny Boyle, porém, não tem tempo nem temperamento para ficar na sofrência; o que ele quer é despertar um estado de fé tão antigo que volta a parecer novo – a alegria contagiante por um menino que nasceu para mover montanhas.
Até o Último Homem
Dizer que o soldado Desmond Doss (Andrew Garfield) nunca pegou em armas não é força de expressão. Durante todo o seu treinamento e depois dele, sob o fogo cerrado dos japoneses na Batalha de Okinawa, em maio de 1945, ele se recusou até mesmo a tocar um rifle. Doss, contudo, alistara-se voluntariamente. Adventista inflexível, que tomava ao pé da letra o “Não matarás”, penou para persuadir o Exército a enviá-lo ao front desarmado. Mais de setenta homens terminaram por dever a vida à sua perseverança – todos aqueles que ele resgatou dos escombros da batalha, sozinho, carregando-os nas costas, numa ação que lhe valeu a mais alta condecoração militar. Fé religiosa, convicção, perseverança frente ao desprezo, e também a mutilação horripilante da guerra: não há diretor ao qual esses temas tenham mais a dizer do que Mel Gibson, que faz Até o Último Homem com fibra, com fortes doses de sentimentalismo e, às vezes, com virtuosismo – nas inúmeras, detalhadas e explícitas cenas de carnificina –, relembrando o público do cineasta brioso que ele pode ser. É pena, porém, que ele não tenha arrumado um papel para si no filme; também o ator visceral que ele é faz falta.