A volta de “Game of Thrones”: no meu dragão ou no seu?
Revelação sobre Jon Snow vai abalar relação dele com Daenerys – e escolher entre eles é, também, escolher entre o novo e o velho no sistema de governo

Atenção: contém spoilers do primeiro episódio
No primeiro episódio desta oitava e última temporada, Jon Snow (Kit Harington) tomou conhecimento daquilo que o público já sabia – que ele é filho de Rhaegar Targaryen e Lyanna Stark; seu nome verdadeiro é Aegon Targaryen (“o sexto de seu nome”), e ele é o herdeiro legítimo do Trono de Ferro. Agora vá explicar isso lá em casa: Jon é absolutamente leal a Daenerys (Emilia Clarke) e eles estão apaixonados; até fizeram um passeio de dragão (cada um no seu), numa cena que ficou meio com jeito de Mary Poppins. Mais importante ainda: Daenerys nunca teve motivo para suspeitar da existência de um Targaryen mais graduado do que ela. Está cem por cento convicta do seu direito a ser a soberana dos Sete Reinos, e não é o tipo de pessoa que leva numa boa isso de contestarem a sua legitimidade. Veja-se o que aconteceu recentemente com o pai e o irmão de Samwell Tarly (John Bradley), incinerados pelo dragão Viserion depois de um “tempo para pensar” sobre suas lealdades que não chegou ao minuto e meio. Eu não queria mesmo estar na pele de Jon Snow agora. Vai ser uma pedreira isso de dizer “Querida, então, fiquei sabendo de uma coisa…”.

Os episódios inaugurais de GoT têm a tradição de chegar carregando muita bagagem – uns três ou quatro baús, mais várias maletas e sacolas – e de demorar para desfazer as malas. Este aqui não foi diferente. Mas, no meio da confusão, os criadores David Benioff e D.B. Weiss aproveitaram para já colocar algumas coisas nos seus lugares devidos: usando Samwell para comunicar suas opiniões, deixaram claro que eles próprios consideram Daenerys uma déspota esclarecida, mas déspota mesmo assim. Com ela, não se começa diálogo sem antes dobrar o joelho e jurar lealdade. E, se ela não gosta do tom da conversa, o papo acaba ali mesmo; a palavra dela é a última e a definitiva. Daenerys, enfim, tem material para ser uma boa rainha, mas nos moldes já muito testados, e várias vezes reprovados, da monarquia absolutista.

Jon Snow – ou Aegon, como talvez passemos a chamá-lo em breve – é de outra estirpe. Governa junto com seus lordes, sempre, em negociação e consenso. Não apenas por ter acreditado, até aqui, não ter nenhum direito natural a ser o Rei do Norte e ter chegado ao cargo por aclamação (leia-se, eleição – embora eleição colegiada, já que a plebe não participa do processo), mas por ser essa a sua visão de Estado. Se neste momento há desde Lannisters até selvagens e dothrakis reunidos em Winterfell para fazer frente ao ataque iminente dos Caminhantes Brancos, é porque ele costurou politicamente a maior aliança já vista na história dos Sete Reinos. O conceito de bem comum do qual Jon parte não é um conceito paternalista – ou maternalista, no caso – como o de Daenerys, mas um fundamento político de representação. Pelas regras sucessórias, ele já é rei, quer queira, quer não. Mas, se vier a usar a coroa de fato, ele representará algo muito mais avançado: nos termos da história inglesa (e são esses em boa parte os termos de Westeros), Jon já contém em si a Magna Carta e a Revolução Gloriosa; com ele, a monarquia parlamentarista constitucional chegaria, enfim, aos Sete Reinos, num desenvolvimento transformador e permanente das relações de poder.

É impossível saber se alguém vai de fato assumir o Trono de Ferro ao final de GoT. Poder ser que, no desfecho, nem haja mais trono a ser assumido; pode ser que a coroa vá parar numa terceira cabeça qualquer; pode ser que Westeros faça a transição do Império para a República, e as dinastias reais percam seu uso e relevância. Mas, na hipótese de a escolha final ficar entre Daenerys e Jon Snow, a série terá se colocado numa sinuca de bico. Daenerys é o velho, Jon é o novo. E quero ver explicar isso lá em casa e convencer o público de que o mais moderno e renovador, neste caso, é tirar o Trono de Ferro de uma mulher para dá-lo a um homem.