Mais conhecido no Brasil pelo nome equivocado de Pastel de Belém, o Pastel de Nata é atualmente porta-bandeira internacional da irresistível doçaria tradicional portuguesa. Supera em popularidade o Pão de Ló e o Pastel de Santa Clara, sendo popular até na China e em diversos países asiáticos. No Brasil, trocamos sua denominação original por culpa dos turistas. Eles viajam a Lisboa e, depois de visitarem dois monumentos históricos – o Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém – saboreiam o doce na vizinha pastelaria (confeitaria), padaria e café Pastéis de Belém, da freguesia homônima, na Zona Ocidental da capital.
Em Lisboa, há Pastel de Nata em quase todos os estabelecimentos similares e muitos restaurantes o oferecem. Mas os turistas regressam ao Brasil tratando-o pelo nome daquela pastelaria. Assim se espalha um equívoco. A Pastéis de Belém até patenteou a marca Pastel de Belém e só ela pode usá-la comercialmente. Seu doce, porém, apesar da óbvia qualidade, não disputa o título de número um da cidade. Na quarta-feira da semana passada, dia 11 de abril, em evento gastronômico realizado no Pavilhão Carlos Lopes, do Parque Eduardo VII, aconteceu a 10ª Prova do Melhor Pastel de Nata de Lisboa.
Um júri presidido pelo especialista em história da alimentação e escritor gastronômico Virgílio Nogueiro Gomes, autor do livro “Doces da Nossa Vida” (Mercador Editora, Portugal, 2014), atribuiu o primeiro lugar ao doce apresentado pelo restaurante O Mercado do Peixe, situado no concelho de Lisboa, na mesma região da Pastéis de Belém. A clientela o saboreia como deve ser: no final da refeição, polvilhado de canela e açúcar de confeiteiro, acompanhado de um vinho doce fortificado, tipo Porto e Moscatel de Setúbal; nas confeitarias, harmonizam-no com café. Candidataram-se 27 estabelecimentos. A Pastéis de Belém sequer inscreveu o seu doce.
Referimo-nos a um doce pequeno, do tamanho de uma empada, com a qual visualmente se parece, porém de sabor gigante e diferenciado. No Brasil, pastel designa uma massa à base de farinha de trigo, estendida com o rolo e cortada em pedaços que são dobrados como envelopes, em formato de meia lua, retângulo ou quadrado. Contém recheios salgados ou doces; por último, frita, cozinha ou assa no forno.
Em Portugal, a palavra pastel tem sentido abrangente. Designa preparações diferentes nas receitas e ingredientes incorporados. Algumas se apresentam salgadas – o pastel de bacalhau, por exemplo, que vem a ser o nosso bolinho de bacalhau. Outras são doces, entre as quais se destacam o mencionado Pastel de Santa Clara, o de Tentúgal e o de Santo Antônio. Se fosse inventado no Brasil, o Pastel de Nata poderia ser classificado de empada doce, aberta na parte superior.
O docinho emblemático de Portugal é feito com massa folhada, que depois de assada em forno muito quente fica estaladiça. Como recheio, recebe leite integral, creme de leite fresco, açúcar, essência de baunilha, gemas de ovos e casca de limão. Serve-se ainda quente, mas pode ser saboreado frio. Apesar da aparente simplicidade, é tarefa difícil escolher qual o mais perfeito em uma competição como a 10ª Prova do Melhor Pastel de Nata de Lisboa a que nos referimos.
Quais os critérios para a escolha do doce campeão? Virgílio Gomes responde: “A massa folhada tem que ficar estaladiça, fina, sem gosto a farinha ou gordura, garantindo a sustentação do creme, que deve escorrer doce e sem sabores dominantes, nem de gema, nem de baunilha e nem de limão”. Considera-se defeito quando algum desses itens se sobrepõe aos demais. Também é vetado o doce queimado, sendo bronzeada a cor desejável. A falha mais grave, porém, será a massa folhada não ficar estaladiça.
Segundo Virgilio Gomes, a primeira receita manuscrita do Pastel de Nata é de 1729 e pertenceu ao Convento de Santa Clara de Évora, na região do Alentejo, centro-sul de Portugal. Denominava-se “Pastelinho de Nata” e já levava massa folhada. O Convento de Santa Clara de Évora foi fundado no século XVI e fechado em 1903, com a morte da última freira, quando passou à propriedade do Estado. Era ocupado pelas clarissas, exímias doceiras, que também preparavam Pastéis de Santa Clara, Trouxas de Ovos, Queijinhos do Céu, Barriguinhas de Freira e Sopa Dourada.
Os conventos ou mosteiros tiveram grande importância na Reconquista – a guerra comandada por d. Afonso Henriques (1108-1185), o soberano que combateu os mouros e formou o reino de Portugal. Alfredo Saramago e Manuel Fialho mostram isso no livro “Doçaria dos Conventos de Portugal” (Assírio & Alvim, Lisboa, 1997). Uma das formas de ocupação do território foi a criação de estabelecimentos religiosos, cuja existência ainda servia, entre outras funções, para reis e senhores da nobreza pagarem ou redimirem os seus pecados, através de contrato de rezas.
Notabilizaram igualmente pela contribuição à doçaria conventual – o rico acervo confeiteiro português desenvolvido a partir do século XV, quando as ordens religiosas passaram a ter açúcar à vontade em suas cozinhas. O farto suprimento era garantido pelas plantações e engenhos de cana no Arquipélago da Madeira, que depois se transferiram para o Brasil. As freiras não precisavam economizar açúcar e muito menos ovos. Conventos como o de Santa Clara de Évora recebiam em doação as gemas que sobravam do processo de elaboração do vinho; as claras eram usadas na clarificação, ou seja, na retirada das impurezas da bebida. A fartura se estendia às demais instituições religiosas.
Curiosamente, embora o sucesso do Pastel de Nata seja mais ou menos recente no Brasil – encontra-se em todos os restaurantes de cozinha portuguesa e nas melhores padarias de São Paulo – o clássico da literatura confeiteira nacional “Doceiro Nacional ou Arte de Fazer Toda a Qualidade de Doces”, publicado em 1895 pela H. Garnier Livreiro-Editor, do Rio de Janeiro-Paris, já trazia uma receita sua, ou seja, o Pastel de Nata era preparado aqui no tempo em que açúcar se escrevia com dois esses. Moral da história: apesar de antigo, está em moda.
PASTEL DE NATA
Rende cerca de 30 unidades
INGREDIENTES
CREME
.2 1/2 l de leite integral
.2 1/2 l de creme de leite fresco
.175g de açúcar
.1 colher (sopa) cheia de essência de baunilha
.10 gemas de ovos
.1 pedaço de casca de limão
PASTÉIS
.2 embalagens (de 300g cada) de massa folhada comprada pronta
.Manteiga para untar as forminhas
PREPARO
CREME
1.Em uma panela, aqueça o leite com o creme de leite fresco, o açúcar, a essência de baunilha e a casca de limão em fogo brando, até levantar fervura.
2. Afaste a panela do fogo, deixe esfriar um pouco e junte as gemas, uma a uma, mexendo a cada adição.
3.Retorne ao fogo brando, sempre mexendo, até o preparado engrossar. Cuide para não ferver.
4.Retire do fogo, descarte a casca de limão e deixe esfriar. Esse creme pode ser preparado de um dia para o outro.
PASTÉIS
5.Unte com manteiga forminhas do tipo para quindim.
6.Estique rapidamente a massa com um rolo, em uma espessura com cerca de 1cm.
7.Corte a massa em círculos e, com o dedo, molde-a no fundo e lados das forminhas.
FINALIZAÇÃO
8.Coloque o creme sobre a massa, dentro das forminhas e leve ao forno quente, preaquecido a 200°C, por cerca de 15 minutos, ou até o creme dourar.
9.Deixe esfriar um pouco antes de desenformar e sirva morno ou frio, como preferir.
Receita preparada por Ilda Vinagre, que foi chef executiva do restaurante A Bela Sintra, de São Paulo, e hoje é chef proprietária do S Restaurante & Petiscos, de Lisboa.