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Dias Lopes

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A calabresa é nossa

A linguiça que os imigrantes do sul da Itália adaptaram no Brasil e virou preferência nacional

Por J.A. Dias Lopes 11 dez 2018, 17h15

Como não encontraram no Brasil muitos ingredientes originais da sua cozinha, os calabreses que imigraram para São Paulo entre 1876 e 1920 adaptaram as receitas que trouxeram. Como os demais italianos vindos para “fazer a América” aconteceu o mesmo. Mas duas especialidades calabresas se integraram tão bem ao cardápio nacional que hoje são consideradas nossas. Uma é a sardella, antepasto cremoso à base de pimentão, tomate, alice, pimenta-dedo-de-moça, erva-doce, alho, azeite e sal. Na Itália, leva filhotes de sardinha e peperoncino, variedade de pimenta vermelha inexistente em nosso país.

Outra é a linguiça calabresa, que o regulamento do Ministério da Agricultura manda fazer com carne suína moída ou picada, gordura rígida e especiarias, além de apresentar o necessário sabor picante da pimenta calabresa. Ainda incorpora antioxidantes e conservadores, para sua demorada preservação. Com a forma cilíndrica e às vezes de u ou ferradura, é uma das linguiças industrializadas mais vendidas no Brasil, se não for a número um, batendo a toscana, a portuguesa, a mista e a de pernil. Converteu-se em preferência nacional.

Fresca ou submetida à estufagem ou processo equivalente, para desidratar e secar, defumada ou não, a calabresa entra em uma infinidade de receitas nacionais. Vai bem assada, cozida ou frita, sobretudo acebolada na frigideira, quando se converte em parceira divina do copo de cerveja ou do trago de cachaça. Recheia o pão, cobre a bruschetta e a pizza, transforma-se em molho de macarrão, enriquece a sopa, lentilha, feijão, farofa, escondidinho, risotto e tortas, acompanha o churrasco e serve até para fazer hambúrguer. Graças a essa polivalência, é que passou a ser o embutido de ascendência italiana mais amado do Brasil. Se for desidratada e ligeiramente seca, bate a concorrência dos salames italiano e milano, do salaminho e da soppressata, da mortadela e da coppa.

Os calabreses que desembarcaram em São Paulo começaram a vender linguiça feita em casa, no Bixiga, bairro onde mais se estabeleceram. Eram carpinteiros, sapateiros, serralheiros, barbeiros, etc. Criavam porcos no quintal, entre outros animais. A prática era comum em todo o sul da Itália, não só nas zonas rurais. Cada família comprava seu porco no verão europeu para engordá-lo até o final do ano, quando o abatiam. Saboreavam as carnes mais nobres nas festas de Natal e Ano Novo e faziam embutidos para consumo, principalmente durante o inverno. No Brasil, enchiam linguiças temperadas com pimenta calabresa, que substituía o peperoncino original, comercializadas para reforçar o apertado orçamento doméstico. Antigamente, podia-se fazer isso. Hoje, os controles sanitários dificultam a atividade artesanal.

O primeiro açougue a elaborar calabresa na capital paulista teria sido o 7 de Setembro, aberto em 1937. Localizava-se perto da Praça João Mendes e pertencia ao italiano Domenico Trozzi, natural dos Abruzos, região da Itália central que tem Áquila como capital. Mas sua mulher, Giselda Cavallo, brasileira e filha de calabreses da província de Cosenza, era quem preparava a linguiça, junto com a ajudante dona Peppina (diminutivo de Giuseppina), conforme receita de família. Assim contava Luiz Trozzi, o Gijo, o filho do casal, falecido em 2016 aos 84 anos de idade.

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“Comecei a trabalhar com oito anos de idade no açougue do meu pai, quando tinha a altura do balcão, e lembro de minha mãe e dona Peppina enchendo as linguiças”, contava Gijo. Ele herdou o estabelecimento no final da década de 1940, mas com as exigências da Vigilância Sanitária parou de produzir linguiça. Passou a encomendá-la do frigorífico Milano Biagio, da rua Padre Senepa, 224, na Vila Monumento, em São Paulo. Poderia ter pedido a outro, pois há vários no Brasil que têm linguiça de qualidade – as marcas Aurora, Alegra, Sadia e Seara, por exemplo –, apesar de alguns agregarem certa porcentagem de carne bovina e de ave.

Simpático e comunicativo, sempre de óculos escuros e trajando calças e sapatos brancos – os incontáveis amigos brincavam que lembrava um personagem do filme norte-americano The Godfather, no Brasil O Poderoso Chefão –, Gijo afirmava orientar o processo de produção para que a calabresa saísse do seu jeito. Em 1955, abriu na Rua Doutor Pinto Ferraz, número 16, no bairro de Vila Mariana, uma loja na qual passou a vender “as melhores linguiças do mundo”, com a calabresa correspondendo a 60% do seu faturamento. A Casa Gijo Linguiçaria funciona até agora, sob o comando de uma das filhas do fundador. Antes de morrer, Gijo diversificou seu produto. Atualmente, são duas dezenas calabresas diferentes, sobretudo no tempero: calabresa tradicional, picante, dinamite (muito apimentada), curada, pré-cozida, calabresinha etc.

A linguiça é o mais antigo embutido da humanidade e os antigos romanos se consideravam os pioneiros na sua difusão pelo mundo, antes do nascimento de Jesus Cristo. Atribuíam a invenção aos lucanos, povo de origem samnita que se estabeleceu no século V a.C. na área montanhosa da Lucânia, atual Basilicata, na Itália meridional. Sofreram grande influência da civilização helênica, em decorrência da colonização do litoral da atual Itália, da qual podem ter assimilado os princípios da especialidade.
Escravos que os romanos fizeram na Lucânia a teriam introduzido em Roma, onde se tornou apreciada pela capacidade de conservação, facilidade de transporte da carne suína e delicioso sabor. Na Itália, cada região produtora atribui um nome ao produto: bardiccio, rocchio, salamella, salamina, salamino, salametto, sarzizza, zazzicchia. Na Lombardia e Vêneto existe a prestigiadíssima luganega, luganiga ou luganica, à base de carne suína fresca. Entretanto, a denominação predominante no país é salsiccia (salsicha).

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Discute-se a sua etimologia. Acredita-se que a palavra italiana deriva de “sale” (sal) e “ciccia” (carne). Pode vir também de “salsus” e “insicia”, que significam “carne salgada” e “insaccata” (embutida). Já a designação portuguesa descenderia da latina “lingua”, acoplada do sufixo “iça”. No século XVII, diziamos linguinça, que passou a lingüiça com trema no u e perdeu esse sinal diacrítico no Acordo Ortográfico de 1990, o tratado internacional firmado em 1990 com o objetivo de criar uma ortografia unificada para os países que falam português.

A calabresa do Bixiga descende da Salsiccia di Calabria DOC, à base de carne fresca de suínos criados na região homônima e temperada com sal, pimenta preta, peperoncino vermelho picante e doce, creme de pimentão, vinho e sementes de erva-doce, aromas naturais e conservadores. Leva paleta de porco (no mínimo 50%), junto com lardo, a camada de gordura por baixo da pele de certas partes do suíno, curada e temperada com alecrim (6 a 20% a cada quilo de carne).

O paladar arrebatado dos calabreses legou outras especialidades à gastronomia brasileira. Continuam a ser preparadas no país receitas como fusilli con braciola (fatia fina de carne enrolada como pequeno rocambole), que também recebeu um toque paulistano. No sul da Itália, usa-se a braciola para dar sabor ao molho, come-se primeiro a massa e depois a carne como secondo piatto. Aqui, junta-se as duas. Além disso, há as receitas de melanzane (berinjelas) alla calabrese e de riso (arroz) con le patate. Entretanto, não alcançaram a mesma popularidade da sardella e da calabresa – convenhamos, nem era preciso. Com essas duas pérolas, a contribuição dos calabreses já foi para lá de importante.

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RISOTTO DEL CONTADINO

Rende 4 porções

INGREDIENTES
.100 g de feijão mulatinho
.1 folha de louro
.1 colher (sopa) de cebola picada
.4 colheres (sopa) de manteiga
.200g de linguiça calabresa curada e picada grosseiramente (de preferência sem a pele)
.380g de de arroz vialone nano (ou arborio)
.1 xícara (chá) de vinho tinto
.1 1/2 litro de caldo de carne
.4 colheres (sopa) de queijo parmesão ralado

PREPARO
1. Cozinhe o feijão em água, com uma folha de louro, escorra e reserve.
2. Em uma panela, doure a cebola em metade da manteiga. Junte a linguiça e frite-a por alguns minutos, mexendo.
3. Acrescente o arroz, refogue sem parar de mexer, incorpore o vinho tinto e deixe-o evaporar em fogo alto.
4. Diminua o fogo e adicione, aos poucos, o caldo de carne (quase em ponto de fervura), à medida que o arroz for secando, mexendo seguidamente.
5. Após uns 10 minutos, coloque o feijão, mexa por mais alguns minutos e retire do fogo quando o arroz estiver al dente.
6. Junte imediatamente o restante da manteiga e o parmesão ralado. Misture delicadamente e sirva em seguida.

Receita do chef de cozinha Luciano Boseggia

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