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O comer e o poder

Da política ao ambiente familiar, refeições são momentos de troca

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 jun 2021, 10h13 - Publicado em 18 jun 2021, 06h00

Nos tempos em que era possível reunir pessoas, eu gostava de oferecer jantares em casa. Quando por lá aparecia alguém que frequentava o noticiário, era comum que jornalistas me perguntassem sobre o cardápio. É um interesse legítimo. As pessoas querem saber o que comem e bebem políticos e empresários. Para uma anfitriã atenta, a comida servida tem algo a dizer aos convivas e à situação que os colocou ao redor da mesma mesa. Lembrei dessas ocasiões ao ler sobre o menu degustado pelos principais líderes mundiais na recente cúpula do G7, na Grã-Bretanha. Tinha bucho de ovelha recheado com mousse de vísceras, cebola e farinha de aveia. Um brasileiro talvez torcesse o nariz para tanto exotismo, mas o haggis — o nome do prato — é uma receita tradicional escocesa, em geral servida em grandes festas e banquetes. Há sempre alguma simbologia no alimento que se serve. Buchadas são um clássico. Por aqui, a de bode é quase uma cerimônia de iniciação política para candidatos que querem demonstrar proximidade com o povo, algo tão essencial quanto o pastel de feira. No caso do G7, uma mensagem possível bem que poderia ser uma simpática saudação à diversidade cultural — sim, porque culinária é cultura.

“A civilização evoluiu em torno da mesa. O respeito à etiqueta pode ser a diferença entre a guerra e a paz”

A civilização evoluiu em torno da mesa. Na Antiguidade, as festas mundanas, onde mais se bebia do que se comia, eram chamadas de simpósios, que, aliás, seria uma tradução mais literal para o famoso O Banquete, de Platão. Somente bem mais tarde, na Idade Média, se consolidou o hábito de sentar à mesa para comer, transformando salas de jantar em locais privilegiados onde, entre uma garfada e outra, os poderosos fechavam negócios e selavam alianças. Cada detalhe conta. O respeito à etiqueta pode ser a diferença entre a guerra e a paz. A escolha dos pratos pode ofender ou bajular os convidados. Nos Estados Unidos dos anos 50, por exemplo, era uma honra ser convidado para comer churrasco de hambúrguer nos jardins da Casa Branca. Diz a lenda que a sofisticação só teria chegado à sede do governo americano com a primeira-dama Jacqueline Kennedy, que nos anos 60 levou a Washington o gosto adquirido em suas estadas na Europa.

Banquetes são também eventos que criam laços de sociabilidade. Lembro-me, a propósito, de um filme dos anos 80, A Festa de Babette. A protagonista foge da França revolucionária do século XIX e se refugia na casa de um pastor dinamarquês. Anos mais tarde, ao descobrir que ganhou na loteria, oferece uma ceia na casa da família que a acolheu. Pratos exuberantes são servidos a dezenas de convidados. A comida é tão boa que alimenta até o espírito dos presentes: inimigos fazem as pazes, antigos amantes abrem seu coração, mágoas são esquecidas. Ao final, descobrimos que Babette, que era chef de um conceituado restaurante em Paris, gastou todo o dinheiro do prêmio no banquete. Loucura? Não. Ela preferiu empregar a fortuna exercendo sua paixão. Da política ao ambiente familiar, refeições são momentos de troca. Essa, aliás, é uma das lições deixadas pelo mais famoso banquete da história, retratado na Bíblia: a mesa é local de partilha — de pão, ideias e afeto.

Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743

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