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Por Leandro Narloch
Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia
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O que fazer se o Estado não consegue nem fiscalizar barragens?

Liberais moderados defendem que o Estado atue apenas como um agente fiscalizador. Há otimismo demais nessa proposta. Como tantos casos provam, o governo não é capaz sequer de fiscalizar barragens, boates ou laticínios

Por Leandro Narloch
Atualizado em 31 jul 2020, 00h03 - Publicado em 24 nov 2015, 10h33

barragem

Imagine que você comprou uma casa perto da barragem de uma mineradora. Para tornar a situação um pouco mais dramática, suponha que você investiu todo seu patrimônio na compra e na reforma da casa ao lado da barragem, onde vai morar com a família inteira.

Você procura se informar sobre a segurança da barragem e descobre que ela pediu a renovação da licença ao governo estadual, que está analisando o caso. Seria o bastante para dormir tranquilo?

Trezentas famílias de Mariana acharam que sim. Tinham uma boa dose de razão para isso, afinal, conforme a Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais, as barragens da Samarco estavam em situação regular. A licença venceu em 2013, mas a empresa havia pedido a renovação dentro do prazo. A Secretaria do Meio Ambiente tinha até julho de 2014 para dar um parecer, mas perdeu o prazo. E ficou por isso mesmo.

Pior ainda, a Secretaria havia sido avisada sobre o risco de colapso das barragens pelo Instituto Prístino, instituição particular que realizou o estudo a pedido do Ministério Público Estadual.  Mas a advertência se perdeu na burocracia. A Secretaria tem 130 mil processos (!) à espera de licenciamento.

O órgão federal que poderia ajudar na fiscalização (o Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia) está ainda mais sucateado, como mostra esta reportagem de VEJA.

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Não é um problema do brasileiro, mas do serviço público em geral. O Canadá teve no ano passado uma tragédia muito parecida: o rompimento da barreira de dejetos da mineração de cobre e ouro em Mount Polley, na Colúmbia Britânica. Como em Minas Gerais, a barragem tinha sido vistoriada e licenciada pelo Estado.

A fiscalização irrestrita do governo leva as pessoas a acreditar que, se uma mina (ou um empreendimento em geral) está aberto e funcionando, é porque foi vistoriado pelo governo e portanto é seguro.

Essa ilusão da segurança garantida pelo Estado ocorre não só em barragens. A boate Kiss , onde morreram 242 pessoas, estava numa situação parecida à da barragem da Samarco. O alvará havia vencido, a boate tinha pedido a renovação, o Corpo de Bombeiros de Santa Maria demorou a emitir o documento. Dias depois da tragédia, dois bombeiros, tentando salvar a própria pele, inseriram documentos com novas exigências na pasta do processo de licenciamento da boate. Foram condenados por fraude.

Dos casos de leite adulterado com soda cáustica e água oxigenada denunciados desde 2008, todos os laticínios tinham o direito de estampar nas embalagens o selo de “inspecionado” pelo Ministério da Agricultura. Uma testemunha disse ao Fantástico que os fiscais do Ministério faziam vista grossa para adulteração, isso quando inspecionavam os laticínios.

Liberais moderados defendem que o Estado deixe de atuar como fornecedor de serviços e passe a atuar apenas como um agente fiscalizador. Há otimismo demais nessa proposta. Como tantos casos provam, o governo não é capaz sequer de fiscalizar barragens, boates ou laticínios.

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Sabendo disso, o que fazer? É ingênuo contar com a benevolência e o empenho dos burocratas. Se tudo der certo, levará algumas décadas até termos instituições eficientes.

No caso das boates ou do leite, a solução é simples: certificações privadas (como a ISO 9001 ou o selo de orgânicos emitido pela IBD Certificações) concorrendo pela confiança dos consumidores. Em frente a cada boate poderia haver um selo atestado a segurança do local; em cada embalagem de leite, um atestado privado de sua qualidade.

No caso das barragens, não é tão fácil. Inspeções independentes têm seu preço – nem todos os proprietários rurais ou povoados ao lado de mineradoras poderiam pagar. E, como contei acima, houve uma inspeção privada e independente na mina da Samarco, mas ela não teve força de lei para evitar a tragédia. A inspeção privada talvez não seja uma solução suficiente, mas não atrapalha. Em Mariana, alertas como o do Instituto Prístino ajudarão os prejudicados a provar que o rompimento das barragens não foi fruto do acaso, mas da negligência.

@lnarloch

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