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“O casamento do século” e outras notas

Estamos à procura de homens porque nos falta a solidez das instituições — diferente dos britânicos, tão bem servidos de instituições fortes como a monarquia

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h27 - Publicado em 23 Maio 2018, 11h35

Valentina de Botas

Taís Araújo afirmou no Twitter: ‘“Você está maravilhosa. Tive tanta sorte’. É, Harry, acho que você teve sorte mesmo. Senhoras e senhores, com vcs, abalando as estruturas da família real britânica…Meghan!”

Considerando que Meghan é linda, Harry é lindo, Windsor/Berkshire é um lugar encantador no vale do Tâmisa, os castelos são espetaculares, a Inglaterra com sua monarquia é um país fascinante na mistura de vanguarda e tradição, bolo de casamento é sempre uma delícia, a multidão do lado de fora da preciosidade gótica St. George’s Chapel feliz sem medo da cafonice rende memes sensacionais, os ingleses nos deram as mais incríveis bandas de rock e têm o melhor mau humor do mundo, os chapéus que questionam a geometria são uma atração a mais, é melhor falar disso por alguns minutos do que da paisagem política brasileira. Anotei:

1) A família real britânica, que foi se tornando família, real e britânica desde a linhagem que remonta aos pequenos reinos dos primórdios da Bretanha medieval à consolidação, há uns 10 séculos, dos reinos da Escócia e da Inglaterra e (há uns 3 séculos) com a entrada do País de Gales nessa saga, abrigou integrantes (quase todos) adúlteros, teve soberanos decapitados, viu seu império colonial derreter, foi obrigada a transferir seu poder político para o Parlamento e contentar-se com um quase equivalente poder simbólico e constitucional, sentiria mesmo as estruturas abaladas por uma plebeia americana que trocou o papel de atriz sem futuro pelo de duquesa?

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2) Se eu chegasse lúcida aos 90 anos e ocupasse o trono da Inglaterra, também me daria o luxo de vestir verde-limão com pinceladas de roxo. Já faço isso sem preencher essas condições, das quais pelo menos a primeira pretendo atingir. Estou longe disso, mas nem tanto porque, depois de saber a maratona dos noivos entre recepções, sessões de fotos oficiais, almoço e festa, só consegui pensar no cansaço ao fim do dia especial. E as críticas por se impor um protocolo rígido a Meghan? Ora, ela não foi obrigada a se casar com o príncipe e protocolos ajudam a vida, são um descanso porque orientam tudo, determinam até o que fazer com os braços e o que dizer para quem. São eficazes e não impediram, ao longo dos séculos, que os nobres se divertissem e fizessem suas loucuras. Até encontros com amantes ardiam nas alas dos castelos ocupadas por cada cônjuge real desde que seguissem o protocolo. Mas, um tanto da graça para quem vê graça nisso dos amores clandestinos se perde com o consentimento de sua clandestinidade, não? Mas o importante era a manutenção de casamentos (mantidos assim também entre tantos plebeus) e a prevenção de escândalos.

3) Quando Taís Araújo empodera Meghan, esquecendo que a princesa Diana abalou as estruturas da família real britânica ao levar a rainha Elisabeth II, pela primeira e última vez desde sua coroação em 1952, a bater de frente com os súditos pela incapacidade de compreender a comoção, neles, pela morte daquela “menina aborrecida”, o que avizinhou o país de uma crise institucional, não sei se a atriz comete uma discriminação renegando uma branca empoderada ou pensa estar cobrando uma dívida-histórica-do-colonizador.

4) Vi pouco da cerimônia, além das imperdíveis participações dos corais, mas o suficiente para reconhecer entre os chapéus (de uso obrigatório) um inspirado numa pipa que meu irmão fez quando era moleque. Também não faz mal dar uma olhada no George Clooney e no David Beckham. Sou mais o americano, mas, ainda que Beckham tenha abusado de sua metrossexualidade com aquela calça skinny sem noção, um alfaiate de Hollywood nunca será um da Saville Row. A linda Amal Clooney poderia ter posto menos gema naquele vestido cor de gema de ovo, não? E Vitória Beckham, soberana absoluta em fazer aquela cara de conteúdo-e-paisagem, estaria impecável se sua roupa não fosse tão escura para um sábado ensolarado de primavera. A simplicidade do vestido de Meghan na medida que um Givenchy pode ser simples deixou a noiva ainda mais luminosa.

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5) Como os de 750 milhões de pessoas pelo mundo, meus olhos estavam em Windsor, mas meu pensamento foi a Paris. Diana, que abalou o marido com o desejo de ser amada, entrou na família real britânica encantando o mundo e, depois de ter o coração partido por Charles que traía a antiga amante complacente Camile com a jovem mulher conformada (nos planos dele que avisara “não serei o primeiro herdeiro da monarquia a não ter uma amante”), teve o peito destroçado pelo acidente com o Mercedes S280 que entrou no túnel D’Alma, em Paris, a 180 km/h na noite de 31 de agosto de 1997, bateu de lado numa parede do túnel e de frente num pilar em menos de um segundo, capotou e reduziu-se a uma massa de ferragens retorcidas. O motorista Henri Paul, que dirigia bêbado, e seu chefe, Dodi Fayed (milionário dono do Ritz e namorado de Diana que a acompanhava) também morreram. Taís omitiu esse abalo talvez porque prefira não abordar traições amorosas ou é empoderada demais e só consegue ver problematização ressentida-revanchista onde se via o amor unindo um casal.

6) Também o amor — breve ou eterno — precisa de uma chance, precisa de sorte, e tomara que o de Harry e Meghan tenha a sorte que faltou à mãe dele e à dela que, segundo se noticiou sem parar, é a única pessoa sóbria de uma família cheia de confusões, com os meio-irmãos de Meghan relatando mesquinhezas sobre a moça a tabloides mediante pagamento. A presença da multidão nas ruas do vilarejo de sonho para saudar o mais novo casal real sinaliza a força da monarquia como símbolo nacional sob o qual a nação celebra a si mesma e nele se reconhece. Isso traduz a saúde da cidadania e do sentimento de nacionalidade que falta a nós, brasileiros que oscilamos entre o complexo de vira-lata e a patriotada jeca. Na busca compreensível por espelhos que reflitam o melhor de nós, que projetem em horizontes claros nosso potencial de civilização, ficamos à procura de homens porque nos falta a solidez das instituições — ao contrário dos britânicos, tão bem servidos de instituições fortes como a monarquia —, embora a democracia seja o regime destas e não daqueles. Assim, há quem procure salvadores que anunciam a salvação na promessa de revogar os bons atos do governo Temer ou de fazer do populismo moralista o biombo para a incompetência, conforme o segundo e o terceiro colocados nas pesquisas eleitorais. O primeiro colocado, que também promete exterminar o futuro, está merecidamente na cadeia; mas, como ideia que é, aflora livre na substância autoritária e populista de Ciro e Bolsonaro.

7) Que desconsolo, quando será o próximo casamento-do-século?

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