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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que foi inteligente a reação de Felipe Neto a seu vídeo íntimo vazado

Quando algo do tipo ocorre, celebridades costumam fingir desprezo ou espernear (com razão), acusando o golpe; o youtuber se provou mais moderno e esperto

Por Filipe Vilicic Atualizado em 30 jul 2018, 21h13 - Publicado em 30 jul 2018, 16h55

“Por precaução – chegaram a me acusar no Twitter de dizer o contrário, citando um texto de outro colunista como se fosse meu –, começo ressaltando que é vítima de um crime quem tem seus vídeos íntimos vazados.” Com Felipe Neto, independentemente do poder e da fama que possui em mãos, não foi diferente. Quem espalhou sua gravação de onanismo cometeu um crime, até mesmo aqueles que só fizeram isso para curtir uma com amigos e amigas no WhatsApp. Ele foi vítima. Nesse quesito, assunto resolvido.

Só que permanece uma questão: “Como lidar com a situação?”. Não preciso me delongar para provar que vivemos hoje em um mundo ultraconectado, no qual a famosa teoria dos seis graus de separação teve de ser revisada para três graus – há uma penca de textos sobre o assunto nos arquivos deste blog. Por consequência, o conceito de privacidade tem sido revisto. O que ainda podemos considerar como privado em nossas vidas?

Celebridades como Felipe Neto nasceram nesse contexto. Cresceram expondo a própria intimidade, tirando sarro de sua vida no YouTube, no Instagram, no Twitter. Por isso, parte da audiência pode chegar a uma das conclusões mais estúpidas: “Se ele se expõe, por que reclama do vazamento de um vídeo íntimo? Ele vai é se beneficiar!”. Idiotas que pensam assim não merecem que se retruque.

Contudo, de volta à lógica, Felipe Neto ganhou dezenas de milhões de fãs justamente como efeito de expor o mais íntimo de sua vida. Só que não tão privado quanto um vídeo de cunho sexual. Isso, não escolheu. E daí? Certa vez me disse o mesmo Felipe: “O segredo para lidar bem com a fama na internet é saber dosar o que se mostra ao público e o que deve ficar restrito a nossos amigos, familiares”… e, poderia ser acrescentado, parceiros românticos.

Boa forma de lidar com a fama na versão século XXI. Todavia, a nova configuração do ser celebridade trouxe também novíssimos problemas (ou ao menos mais frequentes, pois vazamentos de vídeos íntimos existem desde Marilyn Monroe). Um deles é que às vezes o domínio da própria privacidade sai do controle. Na era da internet, isso pode representar, por exemplo, que venha a público uma gravação sua se agradando.

Aí aparecem outros ignorantes que gritam: “Ah, mas se sabe que agora é comum, não deveria se filmar, ou que aceite quando o treco se espalha por aí”. É o contrário disso, meu caro.

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A internet, em termos históricos, numa comparação com algo como se o Homo sapiens tivesse surgido ao longo do período de um dia, apareceu tipo um minuto atrás. Por isso ainda estamos aprendendo a lidar com os benefícios e os malefícios dessa tecnologia. No passado, quando se inventou o carro, acredito que só quem era muito estúpido levantou a mão para falar algo como “olha, natural que pessoas acelerem um pouco mais e acabem por atropelar outros; se é assim, não deveria ter punição”. Culpar a vítima num caso como o de Felipe Neto é tão incoerente quanto penalizar um pedestre atropelado, não o motorista, por ele supostamente ter passado na frente do veículo.

Então, como resolver o problema? O que mais os haters querem, assim como quem espalha um vídeo privado de alguém, é envergonhar e humilhar o outro. Em outras palavras, o objetivo é acabar com a vida alheia, destruindo o psicológico da vítima. Isso vale tanto para celebridades acometidas quanto para anônimos cujos ex-namorados ou ex-namoradas resolvem aderir ao revenge porn.

O primeiro motivo de ter sido inteligente a reação de Felipe Neto foi de que ele não deu esse gostinho a seus algozes. Pelo contrário. Ao gravar um vídeo tirando sarro da situação (no link), saiu por cima, superior. Passou a mensagem de que quem quis destruí-lo não conseguiria. Mesmo que ele possa ter enfrentado algumas horas de tensão por efeito contínuo da bandidagem online, soube respirar fundo e redesenhar o problema, enfrentando-o com a força que possui na internet. E sua força é justamente tirar sarro de si. O que fez.

Caso tivesse parado por aí, no entanto, correria o risco de transmitir uma mensagem errada. Qual? A de que anônimos e, em especial, anônimas que têm de enfrentar sufoco similar deveriam apenas rir e deixar rir. Nada disso.

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A mensagem não é a de “relaxa e goza”. Uma coisa é se portar como superior aos maldosos seres que resolveram te sacanear. Outra coisa é rir e baixar a cabeça; e Felipe Neto fez o contrário disso.

Após virar a situação a seu favor, em contraste com a postura adotada por outras celebridades que foram vítimas do mesmo crime, o youtuber transmitiu um último aviso. O de que usaria seus advogados para caçar cada um dos indivíduos que divulgou a gravação e que esses iriam responder na Justiça por tal.

No fim, o que fez foi: 1. Mostrar-se inabalável diante daqueles que tentaram torturá-lo virtualmente 2. Ser fiel à sua imagem online, de quem inventa anedotas mesmo em meio às maiores adversidades 3. Ergueu a cabeça e, como exemplo a todos que passaram, passam ou venham a passar por isso, jurou levar à Justiça os criminosos.

Foi-se o tempo em que deveríamos sofrer tanto com a exploração ilegal de nosso íntimo. Redes sociais, WhatsApp, Tinder e afins não mais nos dão esse luxo.

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Por outro lado, é preciso que nos mostremos – nós, aqueles que têm asco desses bandidinhos mequetrefes que surgem na internet – aptos a lidar com os efeitos negativos da era conectada, como esse mesmo, o de do dia para a noite seus amigos se depararam como uma cena como a de você se acariciando. Como lidar? Da mesma forma como aprendemos a reagir a motoristas bêbados que dirigem carros a 200 quilômetros por hora e acabam por matar inocentes. Ou de como lidamos com fraudadores, agressores sexuais e outros criminosos da pior estirpe.

***
Em tempo: há ainda o discurso moralista de que, se existe a chance de vazamento, vídeos íntimos não deveriam ser feitos. Balela. Somos seres sexuais e cada um tem o direito de tirar ou ofertar prazer dessa forma, filmada e tal.

Uma vez uma amiga me abordou, questionando como reagir a um hacker que capturou umas imagens peladas que ela guardava no e-mail. Orientei a não atender a nenhuma exigência do fulano (que queria dinheiro em troca) e, pelo contrário, ameaçá-lo, dizendo que já havia alertado a polícia e que teria acionado um amigo delegado. Felizmente, após a prensada o hacker voltou atrás e desapareceu da caixa de mensagens dela no Facebook. Como todos esses covardes virtuais, fez isso sem nem antes esperar para ver se as autoridades já o perseguiam; pois a real é que minha amiga nem tinha chamado, ainda, a polícia, nem tinha um delegado dentre os números de sua agenda no WhatsApp.

A mesma amiga, chorosa, perguntou se então ela deveria parar de fazer esses vídeos, pois tinha essa prática com seus namorados. Respondi: “Eu não faria isso. Curta sua vida como você quiser. Não dê a esses idiotas a satisfação de saber que conseguiram te obrigar a mudar algo em si por causa deles”.

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