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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Facebook: interferência de Irã e China em eleições (até na América Latina)

Em telefonema com participação de VEJA, Mark Zuckerberg mostra o panorama dos problemas políticos em que as redes se enfiaram – e como lidar com isso

Por Filipe Vilicic Atualizado em 21 out 2019, 17h26 - Publicado em 21 out 2019, 17h13

Mark Zuckerberg está sob pressão. Há fogo vindo de todos os lados: de adeptos de Facebook, Instagram, WhatsApp; da mídia; de políticos; de grupos ativistas; de líderes sociais; de movimentos defensores de diretos humanos; etc. O motivo central: a forma como as plataformas de propriedade da gigante das redes sociais têm sido usadas e abusadas para interferir nos humores sociais e políticos de diversas nações, incluindo aí o Brasil. Hoje (21), em conferência telefônica da qual VEJA participou, Zuckerberg se prestou a explicações acerca do preocupante cenário no qual seus sites e apps se viram mergulhados. Além de detalhar fatos assombrosos que foram descortinados recentemente pela própria empresa, anunciou algumas medidas que procuram mitigar os problemas. “O modo de se fazer eleições mudou de forma significativa, assim como o Facebook mudou”, pontuou o bilionário.

A cobrança em cima de Zuckerberg começou a ganhar intensidade após 2016, quando se notou como as redes sociais tiveram papel decisivo na manipulação de eleitores no pleito presidencial estadunidense naquele ano, e no vaivém do Brexit na Inglaterra. Lembra do caso da Cambridge Analytica (se não, clique no link)? Desde então, a chapa só esquentou.

No ano passado, Zuckerberg depôs ao Congresso dos EUA e, em julho, os deslizes da empresa culminaram em um acordo em que se pagaram 5 bilhões de dólares ao governo estadunidense. Na semana passada, o empreendedor forçou a barra ao se basear nos princípios da liberdade de expressão para tentar, em palavras simples, tirar o seu Facebook da reta. O discurso, no entanto, provou-se exagerado, pouco trouxe em resoluções, e parecia tentar alçar Zuckerberg ao status de líder de uma nação – quiçá de “CEO do planeta”, como explanei em texto anterior deste blog.

Na conversa de hoje, Zuckeberg aparenta ter sentido que o tom apresentado na quinta-feira (17) não foi do mais agradável. Tanto que desta vez veio municiado com uma série de novas ferramentas que procuram tornar menos tóxicos os ambientes de Facebook e WhastApp. Tática inteligente, visto que nesta semana ele tem marcado na agenda mais um depoimento ao Congresso dos EUA.

Além disso, demonstrou transparência (mesmo que ao menos um cheiro de…) ao revelar descobertas de grupos internacionais que, cada um com seu motivo escuso, procuraram enganar eleitores, em diversos países, para levá-los a optar por candidatos que de alguma forma atuavam nos bastidores dessas mesmas quadrilhas. Ele promete investimentos em três estratégias na busca por combater estorvos de cunho político que tiveram seus apps e sites como palcos. Em suas palavras: “em sistemas de inteligência artificial que derrubem perfis que espalham desinformação de forma coordenada”; “em formas de tornar anúncios políticos mais transparentes”; e “na melhoria da rotulagem de posts”.

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Na conversa, o criador e CEO do Facebook expôs a articulação obscura de três países: Rússia (sem novidade aqui, convenhamos), Irã e China. Afirmou-se que recentemente teriam sido desarticuladas quatro grandes redes de manipulação, sendo três iranianas e uma russa. Nos últimos meses, todavia, a estrutura da companhia rastreou ainda dúzias de outras atividades dessa linha, provenientes dos três países citados.

A interferência desses grupos, que parecem atuar em métodos que atualizam os que eram empregados por iniciativas como a da Cambridge Analytica, teria ocorrido em meio a pleitos dos Estados Unidos, na África e na América Latina. Apesar de não ter sido evidenciado se o Brasil foi atingido, sabe-se que por aqui houve, sim, a disseminação de fake news, mensagens enganosas, discurso de ódio etc. via Facebook, Instagram e, principalmente, WhatsApp. Isso no mínimo ao longo das eleições presidenciais de 2018, as que culminaram com a vitória de Jair Bolsonaro.

“A atuação costuma ser doméstica”, ressaltou Zuckerberg. O que isso quer dizer? Sem dar nomes aos bois, o empreendedor sugeriu que partidos locais são os que mais se apoiam nas táticas sujas para lotar as redes de desinformação e, assim, favorecer seus próprios candidatos. Ao que tudo se indica, é o que ocorreu no Brasil, em 2018 – com preocupantes prolongamentos que ainda não cessaram e acabaram por dividir o país em alas radicais, em fenômeno já popularmente conhecido como de “polarização”.

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Como resolver esse problema? O Facebook deixa translúcido que não há um remédio definitivo. “Os caras maus continuarão tentando, enquanto nós tornaremos cada vez mais difícil que eles consigam”, soprou um executivo da marca que auxiliava o patrão durante a conferência. “Nós estamos bem mais preparados, mas os ataques também estão mais sofisticados”, completou Zuckerberg.

Uma série de medidas foi anunciada, com o intuito de abafar os problemas. O Facebook agora irá exibir ao público, por exemplo, quando uma mídia (como o canal Russia Today) não é independente, por estar a serviço do estado ou de políticos específicos. Também será exibido, com maior destaque, um selo que separará fatos checados por equipes da rede social daqueles cuja veracidade é duvidosa, quando não são tão-simplesmente mentirosos. Em outra tática, cria-se o Facebook Protect, um programa que auxiliará candidatos – de qual ideologia for – a se defender de hackers.

Essas e outras estratégias exibidas têm tremendo potencial. Entretanto, em nenhum momento se tocou no problema gerado pelo serviço facebookiano mais danoso às discussões sociais e políticas no Brasil: o WhatsApp. Falou-se muito de Facebook e Instagram, nada do aplicativo de troca instantânea de mensagens.

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Em acréscimo, Zuckerberg pouco teve a acrescentar acerca da utilização de anúncios veiculados nas plataformas para o fim de interferir nas escolhas de eleitores. Nesse ponto, ressaltou que a empresa – diferentemente de como agem, por exemplo, “canais de televisão” (aqui da maneira recordada pelo mandachuva das redes), armazena esse conteúdo, caso seja necessária futura avaliação, após eleições, como pelas realizadas por tribunais eleitorais. Ainda diz que aumentará a transparência da propaganda, apesar de não ter deixado muito claro como fará isso.

Porém, sempre que se fala em anúncios – diferentemente de como é com tópicos como perfis falsos, posts maliciosos, discurso de ódio e afins –, o Facebook sai um tanto pela tangente. No caso, apelou-se ao direito do eleitor de saber o que pensam seus candidatos. Como se o Facebook fosse a melhor (ou única) forma de ter acesso a esse tipo de informação. Apostou-se no marketing dessa ilusão.

Nesse ponto, vale uma consideração. Além de a empresa depender dos ads para lucrar, e se manter, Zuckerberg tem razão em ponderações que faz. “O Facebook está no centro do debate, mas Google, Twitter, YouTube encaram problemas similares. Assim como NBC, Fox, ABC”. Em outras palavras, Zuckerberg propõe que seus rivais na internet, assim como representantes da mídia tradicional (em especial por meio de suas páginas digitais), também sejam cobrados pela maneira que transmitem informação e anúncios, quando estes envolvem políticos.

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O problema não é só do Facebook. Os enervados enxames virtuais têm agredido a democracia representativa de múltiplas formas, assim como debati em textos anteriores deste blog. Todavia, a criação de Zuckerberg é aquela que elevou essa tremenda enxaqueca a um patamar muito superior, com colossal potencial de dano. Não apenas isso. Também é aquela que, diferentemente de Twitter, por exemplo, conseguiria desenhar os caminhos capazes de safar a sociedade da crise sistêmica na qual se situa.

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É louvável que o Facebook, com uma tropa de 35 mil funcionários em sua área de segurança e investimentos de bilhões de dólares no mesmo setor, seja aquele que mais se empenha em reparar o estrago? Sim. Mas é também o Facebook, somado aos filhotes WhatsApp e Instagram, que promoveu a maior ferida. Indo além, a obrigação que recaí sobre os ombros de Zuckerberg ainda poderia ser mais compartilhada por outros, como ele quer, caso sua empresa não fosse, na prática, um monopólio em seu campo. E que assim acaba sozinha por fabricar todos os males aqui citados, assim como agora se sente solitária na invenção dos remédios para as doenças sociais que criou.

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