Não é de hoje que especialistas bradam alertas sobre a necessidade da adoção de práticas para frear o aumento da temperatura da Terra. O mundo precisa esfriar, e logo. O planeta já aqueceu 1,2 grau em relação ao período pré-industrial. Falta apenas 0,3 grau para o limite máximo de 1,5 grau firmado pelo Acordo de Paris, em 2015. Nas discussões sobre o tema, a descarbonização da economia é tema seminal e recorrente. Na matemática da emergência climática, dá-se ênfase à redução dos combustíveis fósseis. É vital, sem dúvida, mas convém lembrar que domá-los resultaria em decréscimo de apenas 0,2 grau. Isso porque o dióxido de carbono tem vida longa na atmosfera. Demora um século, no mínimo, para ser completamente dissipado.
Uma nova linha de estudos, em busca de soluções práticas, tem chamado a atenção para um outro tipo de poluentes — os chamados gases de vida curta, que desaparecem da atmosfera em dias, semanas, meses ou no máximo alguns anos. Adotar medidas eficazes contra eles seria crucial. “Controlá-los é uma estratégia capaz de baixar em até quase quatro vezes mais o aquecimento na comparação com a restrição do dióxido de carbono”, diz Gabrielle Dreiyfus, cientista chefe do Instituto para Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD), autora do Inventário de Gases para o Aquecimento Global.
No topo da lista dos sujões está o metano, produzido sobretudo pelo arroto do boi e pela fermentação dos resíduos biodegradáveis de aterros sanitários a céu aberto. Além, é claro, do processo industrial das companhias de petróleo, que perdem a matéria-prima ao longo da cadeia, com vazamentos ocorridos desde a exploração até o transporte e distribuição do biogás. O estudo do IGSD indica a redução compulsória de 45% dessa família gasosa. Despontam, no horizonte da imundície, também o carbono negro, cujo resíduo é a fuligem dos centros urbanos, os hidrofluorocarbonetos, derivados dos equipamentos de ar-condicionado e refrigeração, e o ozônio troposférico, nevoeiro formado pela poluição (veja o quadro). “Durante a COP28, no ano passado, as empresas de petróleo se comprometeram a eliminar o desperdício, mas até agora nada aconteceu”, diz o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Levantamentos recentes mostram um cenário ruim. O metano, a fuligem, os carbonetos de ar-condicionado e o ozônio respondem por metade dos danos relacionados ao aquecimento global, segundo os especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima. Direto ao ponto: impõe-se mudança da matriz energética não apenas para o sumiço, em um tempo de quimera, lá no futuro, do dióxido de carbono, o drama mais evidente. É preciso desligar a chave de produtores de detritos que andam um tantinho à margem das atenções. E, se ainda paira algum tipo de questionamento, uma estatística de saúde pública tem a resposta: 5 milhões de pessoas morrem, todos os anos, em decorrência da poluição das metrópoles, atalho para doenças respiratórias e câncer. “É hora de mudar a orientação do desenvolvimento das cidades para o bem da sociedade”, diz Romina Picolotti, diretora de políticas para o clima do IGSD. Convém, portanto, olhar para soluções simples, mas que só caminham se todos os personagens da sociedade colaborarem, o público e o privado. É fundamental repensar a dinâmica da civilização, que pode começar dentro de casa, com a separação correta do lixo, e avançar, por exemplo, para a separação de resíduos sólidos urbanos biodegradáveis nos aterros. Há pressa.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898