Um velho ditado diz que grandes feitos começam com pequenos passos. Há alguns dias, pesquisadores do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, levaram a máxima ao extremo. Depois de extenuantes tentativas, eles produziram, através do processo conhecido como fusão nuclear, energia suficiente para aquecer dez chaleiras de água. O movimento, sob olhar leigo, parece banal e pouco digno de nota. Para a ciência, contudo, trata-se de façanha extraordinária e inédita. Jamais algo nem sequer semelhante havia sido realizado. Mais do que isso: a descoberta tem potencial para transformar a vida na Terra e assegurar a longevidade do planeta. A fusão nuclear gera energia limpa e praticamente ilimitada, o que significaria o fim das emissões de gases causadores do efeito estufa e a redução drástica do uso de recursos naturais para a fabricação de combustíveis. Seria, enfim, uma revolução sem precedentes na indústria energética.
A experiência realizada no laboratório americano replicou o fenômeno que dá origem à força do Sol. De maneira simplificada, ele consiste na colisão de dois átomos de hidrogênio que, unidos, resultam num átomo de hélio. O processo libera energia, que, em grande escala, é capaz de iluminar um planeta como a Terra. Para simular as condições encontradas na estrela, os cientistas usaram lasers de altíssima potência, que aqueceram os átomos e provocaram a desejada fusão. Os testes foram concluídos quando a água das chaleiras ficou quente — a fusão nuclear estava, portanto, definitivamente comprovada. “Pesquisas na área são feitas há setenta anos, mas esta é a primeira vez que o saldo é positivo”, afirma Gustavo Canal, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.
No campo da física nuclear, os cientistas já dominam há muito tempo o método conhecido como fissão, em que a liberação de energia ocorre a partir da quebra de um átomo pesado em outros menores. Nesse caso, porém, há grande produção dos temidos rejeitos nucleares. Na fusão, isso não acontece, o que a torna mais segura do que o processo adotado, por exemplo, em usinas como Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro. A inovação trazida pelo Lawrence Livermore poderá causar impacto em outras áreas, como a produção de hidrogênio verde. O combustível limpo, aplicável até na aviação, precisa de energia para ser produzido, e a fusão nuclear seria o caminho perfeito para isso. “Com ela, nós não seríamos tão dependentes de derivados de petróleo, eliminaríamos a emissão de carbono e reduziríamos o impacto ambiental”, explica o físico Euclydes Marega Jr., um dos coordenadores do Grupo de Óptica do Instituto de Física de São Carlos.
A geração de energia por fusão nuclear, no entanto, ainda está distante de ser amplamente adotada. Para tal, seria preciso manter o processo de fabricação por períodos suficientemente longos e, assim, abastecer estações de energia — iniciativa que exige investimentos proibitivos que nenhum governo ou empresa estaria disposto a bancar. Enquanto os especialistas não resolvem a equação financeira, outros métodos de geração de energia limpa avançam. O Brasil, aliás, é protagonista nesse campo. No país, as turbinas eólicas são a segunda fonte mais usada, atrás apenas das usinas hidrelétricas. A aviação está entre os setores que prometem reduzir consideravelmente as emissões nos próximos anos. O biocombustível já é uma realidade nos céus do planeta. Feito a partir de resíduos agrícolas, baixa os níveis de poluentes em 80% e não requer adaptações nas aeronaves. Embora tenha sido aprovado para aplicação em voos comerciais em 2011, ele não representa sequer 1% de todo o combustível utilizado no ramo. A meta é chegar a 2% até 2025 e zerar as emissões em quatro décadas. A fusão nuclear e outras tecnologias limpas certamente farão o mundo respirar um pouco mais aliviado.
Colaborou Marilia Monitchele
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820