Os impactos das mudanças climáticas, os compromissos para redução das emissões de gases de efeito estufa e a estruturação das regras do mercado de carbono estarão no cerne das discussões da COP26, a Conferência das Partes da Convenção — Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece no começo de novembro no Reino Unido. A expectativa é grande. Isso porque esses temas — antes restritos a grupos de pesquisadores e ambientalistas, que há muito alertam para os problemas e a urgência de soluções — agora também tiram o sono de governos, empresas, instituições e sociedade civil por todo o mundo. As consequências identificadas pelos pesquisadores no passado hoje são perceptíveis por qualquer um: os eventos climáticos extremos estão mais frequentes, as temperaturas médias e máximas mais elevadas, enchentes em maior número, além de ciclones e fenômenos como El Niño ou La Niña mais intensos.
Entre as principais causas das mudanças climáticas está o desmatamento, que tem afetado todos os biomas brasileiros. Na Amazônia, de janeiro a agosto deste ano, os alertas de desmatamento identificaram uma área superior a 6 000 quilômetros quadrados, patamar similar ao mesmo período do ano passado; no Cerrado foram quase 4 000, 35% maior que o registrado nos oito primeiros meses de 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para se ter uma ideia da extensão dos danos, a capital do Brasil, Brasília, tem área aproximada de 5 760 quilômetros quadrados. O fogo também tem impacto direto nas emissões de CO2. No Pantanal, as queimadas já consumiram mais de 260 000 hectares neste ano, segundo dados da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Somando-se a isso a proximidade do chamado ponto de não retorno da Amazônia, quando as mudanças na composição da floresta podem se tornar irreversíveis, fica claro o motivo das atenções se voltarem para o que será definido na COP26.
As emissões de gases de efeito estufa devem tomar boa parte da agenda da Conferência, já que reduzi-las é imperativo para conter o aquecimento global e mantê-lo dentro dos parâmetros definidos pelo Acordo de Paris em 2015, ou seja, manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2 graus em relação aos níveis pré-industriais, mas buscando limitar a 1,5 grau. Conter esse avanço depende das ações que serão tomadas agora em relação às emissões.
Uma análise publicada pelo site especializado Carbon Brief coloca o Brasil entre as primeiras posições do ranking dos países que mais acumularam emissões de gases de 1850 a 2021, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Aqui, temos uma peculiaridade em relação às demais nações, cujas altas taxas de emissão estão ligadas aos combustíveis fósseis. No Brasil, o maior problema está na conversão da vegetação nativa. Razão pela qual devemos nos voltar às soluções baseadas na natureza, que buscam, por meio da conservação, restauração e eficiência no manejo do solo, aumentar o armazenamento de carbono ou evitar as emissões de gases de efeito estufa. Para que sejam efetivas, tais soluções devem contar com a colaboração de todos os agentes que atuam na paisagem, comunidades locais, setor privado, governos e sistema financeiro.
As soluções baseadas na natureza nos mostram que é possível buscar um desenvolvimento sustentável desde que haja uma abordagem amparada na conservação e no trabalho colaborativo. E esse caminho é possível, como mostram algumas iniciativas bem-sucedidas. O projeto Cacau Floresta, desenvolvido em dois dos municípios com maior histórico de desmatamento da Amazônia, São Félix do Xingu e Tucumã, no Pará, é uma delas. A parceria com pequenos produtores rurais para fomentar a produção de cacau em sistemas agroflorestais tem demonstrado um enorme potencial para a recuperação de áreas degradadas e, consequentemente, redução do desmatamento. Desde o início do projeto, em 2013, foram implantados, aproximadamente, 1 000 hectares de sistemas agroflorestais com cacau em áreas de pasto degradado, ajudando a evitar a conversão de vegetação nativa nessas propriedades. Segundo nossas estimativas, o aumento de renda dos produtores por meio desse arranjo supera em sete vezes a atividade pecuária. A prática traz ainda outros benefícios, como a captura de carbono, a proteção da biodiversidade, a garantia de uma produção agrícola eficiente a longo prazo, promovendo a melhoria de vida dos agricultores familiares.
“O planeta exige que cada um de nós faça o melhor para reverter o preocupante cenário atual”
Iniciativas assim derrubam os argumentos dos que justificam os desmatamentos como necessários ao desenvolvimento econômico e ajudam a mudar o modelo mental de que o desenvolvimento não é compatível com a floresta. Temos de parar de olhar para o passado e olhar para o futuro, investir em tecnologias, inovações, soluções e novas economias que aliem desenvolvimento a conservação.
Uma forma de promover projetos como esse é a regulamentação do mercado voluntário de carbono. Outro tema que será amplamente debatido na COP26. A expectativa é que a conferência traga a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris. Para isso, a transparência nas ações e o cumprimento dos compromissos estabelecidos são essenciais para gerar a confiança necessária para que todos trabalhem juntos. O planeta exige que cada um de nós faça o melhor para reverter o preocupante cenário atual. Essa expectativa exige regras claras com relação à repartição dos benefícios e salvaguardas ambientais.
Regulamentar o Livro de Regras do Acordo de Paris vai dar mais clareza ao jogo e segurança a todos os envolvidos. No entanto, é preciso lembrar que o objetivo final é reduzir as emissões de GGE, frear as mudanças climáticas e promover a transição para um desenvolvimento com modelos de baixo carbono. Nesse sentido, compensar as emissões por meio de créditos de carbono deve ser um suplemento, não substituto, às ações de descarbonização. Em outras palavras, as compensações de carbono devem estar associadas à redução de emissões, à aceleração de mudanças para energia limpa, aos combustíveis e materiais de baixo carbono e ao aumento da proteção e manejo aprimorado de florestas, pastagens e áreas úmidas.
Não podemos ter sociedades saudáveis e prósperas se não protegermos os sistemas naturais dos quais elas dependem. Fazer a travessia de um modelo de exploração baseado na escassez para um modelo de proteção da abundância natural é o que está sendo pedido à humanidade. Essa mudança requer uma visão sistêmica que busque solucionar pontos-chave que impedem o desenvolvimento saudável. A COP26 é uma excelente oportunidade para construir essa confiança em escala mundial e traçarmos as ações que devem ser imediatamente desenvolvidas.
* Ian Thompson é diretor-executivo da organização ambiental The Nature Conservancy (TNC) Brasil