Reconhecido por sua matriz diversificada, o Brasil ocupa uma posição de destaque no cenário global da transição energética. Em 12ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), divulgado em junho pelo Fórum Econômico Mundial, o país aparece em primeiro lugar entre os emergentes das Américas e o terceiro entre os membros do G20. O ranking reflete os avanços obtidos no uso de fontes renováveis e na redução da dependência de combustíveis fósseis. A consolidação desse protagonismo, porém, esbarra em desafios complexos, como a necessidade de fortalecer a governança do setor e promover a integração entre diferentes níveis de governo e setores econômicos.
Para Reinaldo da Cruz Garcia, diretor de Estudos de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a falta de uma governança forte e integrada entre os diferentes níveis de governo e setores industriais pode ser um obstáculo para a implementação de políticas públicas consistentes. “Embora o Brasil tenha uma matriz energética bastante diversificada, garantir a segurança do suprimento e enfrentar os desafios impostos pela crescente demanda por energia renovável requer um planejamento sólido e políticas bem articuladas entre todas as partes envolvidas”, afirmou, durante o painel sobre desafios de governança e o planejamento de oferta, no VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, realizado por VEJA e VEJA NEGÓCIOS.
Historicamente, o Brasil se apoiou na geração hidrelétrica como principal fonte de eletricidade. No entanto, nas últimas décadas, o cenário começou a mudar com a inserção de outras fontes renováveis — sobretudo a solar e a eólica. A EPE, órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, aponta que a participação das hidrelétricas, que há dez anos representava cerca de 75% da matriz elétrica brasileira, caiu para 50%, ao passo que as energias solar e eólica atingiram 23% de participação. O movimento é impulsionado, em grande parte, pela necessidade de atender aos compromissos internacionais, como o Acordo de Paris — por meio do qual o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
O avanço dessas fontes renováveis, porém, traz novos desafios operacionais para o sistema elétrico brasileiro, que precisa lidar com as variações diárias na geração de energia. “A entrada massiva de renováveis no nosso sistema requer recursos cada vez mais rápidos e flexíveis para atender às demandas de ponta, principalmente no período da tarde, quando a geração fotovoltaica diminui e a demanda cresce”, afirmou Garcia. O fenômeno, que é conhecido como “curva do pato” pelo fato de seu gráfico se assemelhar ao corpo dessa ave, tem sido um desafio para operadores e planejadores do sistema e ocorre principalmente em sistemas em que a geração solar é significativa, como é o caso do Brasil. Para lidar com o desequilíbrio entre a oferta e a demanda, o planejamento do setor elétrico tem se concentrado na contratação de fontes mais estáveis, como hidrelétricas e termelétricas. “A portaria de diretrizes do Ministério de Minas e Energia já prevê requisitos de flexibilidade para garantir que essas fontes entrem em operação de forma ágil, estabilizando o sistema nos momentos de maior demanda”, disse Garcia.
O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), elaborado pela EPE em conjunto com o MME, desempenha um papel central nesse processo. O documento mapeia os desafios e traça estratégias para garantir que o país mantenha sua liderança no uso de energias renováveis. Esse planejamento inclui a expansão da infraestrutura de transmissão, que precisa ser robusta o suficiente para integrar as diferentes fontes de energia — especialmente em regiões onde a geração renovável é mais forte, como o Nordeste.
Outro ponto importante para o futuro da matriz energética brasileira é a eficiência no uso da energia. A EPE tem realizado estudos para identificar oportunidades de ganhos de eficiência em diferentes setores, como a indústria e o transporte. Uma das metas é reduzir o desperdício de energia e aumentar a produtividade. “É necessário que haja um planejamento estratégico e uma governança forte para garantir que as políticas de eficiência energética sejam monitoradas e revisadas continuamente”, ressaltou Garcia. Com um bom plano em mãos, o desafio também é colocá-lo em prática para manter o Brasil entre os líderes globais em energia limpa.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição especial nº 2918