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Faraó das Bitcoins conta com “sacerdotes” que conheceu na Igreja Universal

Glaidson Acácio dos Santos contava com ajuda para esquema de pirâmide financeira, os mais próximos vieram da IURD, revela relatório final da PF

Por Ricardo Ferraz 28 set 2021, 18h56

Durante a  Operação Kryptos, que desvendou um esquema de pirâmide financeira mantido por Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como o “Faraó das Bitcoins“, a Polícia Federal apreendeu carrões, jet skis, dinheiro, telefones celulares, documentos e computadores onde constavam as transações da empresa GAS Consultoria e Tecnologia LTDA. Mas foi uma bíblia, encontrada na sede da empresa, que dá pistas sobre a maneira pela qual um ex-garçom de Cabo Frio, cidade do litoral fluminense, se tornou multimilionário em poucos anos. Um pequeno manuscrito, colocado dentro do livro sagrado, revelava: “13.06.2018, 20:37, Reunião [em] que minha vida mudou”. Os policiais ainda não desvendaram que encontro foi esse, quem dele participou ou qual o assunto tratado, mas fato é que, uma semana depois, a GAS alterou o nome, passou a funcionar em um endereço nobre da cidade, ganhou um novo sócio e assistiu a um pequeno “milagre”: a multiplicação por dez de sua movimentação financeira.

Os dados constam do relatório final da Polícia Federal, obtido por VEJA. O documento de 197 páginas narra em detalhes como Glaidson se tornou chefe de um esquema ardiloso que, segundo as investigações, não se trata de mera pirâmide financeira, mas sim de um sofisticado complexo de empresas e consultores que trabalhavam para dar aparência de legalidade a supostos investimentos em criptomoedas. Como no antigo Egito, o Faraó não agia sozinho, contava com verdadeiros “sacerdotes”, colaboradores que amealhou graças às relações que obteve principalmente por conta das relações que orbitam em torno da Igreja Universal do Reino de Deus.

Glaidson ingressou para o quadro de pastores da IURD em 2003, sendo dispensado algum tempo depois. Entre os papéis apreendidos na Operação Kryptos, havia um documento que comprova o vínculo dele com a entidade religiosa. Assim que começou a ganhar dinheiro aos montes, o Faraó decidiu fazer uma excursão com 25 pessoas para as atrações temáticas da Terra Santa, em Israel. O motivo não foi aleatório, segundo o relatório, um ponto de contato entre o membros da organização criminosa é a “devoção às Igrejas evangélicas, notadamente a Igreja Universal do Reino de Deus”.

Foi na Catedral da Fé, em Del Castilho, no subúrbio do Rio, que o Glaidson conheceu Tunay Pereira Lima, um ex-operador de telemarketing de quem se tornou amigo e, posteriormente, vizinho e sócio no esquema criminoso. ” Tem-se como provável que o vínculo entre eles se iniciou no âmbito de tais templos e se robusteceu posteriormente, com a sociedade e a mudança de Tunay para o mesmo edifício de Glaidson” diz a PF.

Galidson Acácio dos Santos e esposa (dir) e Tunay Pereira Lima e Márcia dos Anjos (esq): proximidade entre casais e lucros no esquema de pirâmide
Galidson Acácio dos Santos e esposa (dir) e Tunay Pereira Lima e Márcia dos Anjos (esq): proximidade entre casais e lucros no esquema de pirâmide (reprodução/Reprodução)

Em 2017, são identificados os primeiros depósitos das contas de Glaidson para o amigo. Até 2020, os valores chegam a 77 milhões de reais, em remessas que saíram das contas do próprio Faraó ou da GAS. Já as contas em nome das empresas de Tunay e da esposa dele, Márcia Pinto dos Anjos, superam 34 milhões de reais.

De acordo com a investigação, a relação de confiança transformou Tunay em verdadeiro braço direito de Glaidson, se tornando seu principal sócio e canal de movimentação de dinheiro. Em uma planilha verifica-se o a quantidade de dinheiro que passou pelas mãos de Tunay chega a quase 1 bilhão de reais. Em 2017, o ex-operador de telemarketing declarava renda de 28.500 reais, já em 2020 os rendimentos saltam para 1.568.325 reais recebidos como lucros e dividendos da sua empresa CONSULTORIA E SOLUCOES EM TECNOLOGIA LIMA EIRELI, utilizada no esquema. Durante a operação Kryptos, a PF apreendeu diversos pacotes de dinheiro de posse do casal, identificados com nomes de clientes. As etiquetas sugerem que Tunay era sócio do esquema

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Acesso à dinheirama possibilitou uma vida de luxo e riqueza para Tunay e Márcia, que compraram carrões importados, como Land Rover Evoque, Mustang GT, Volvo XC, além de duas lanchas (uma no valor de 1,1 milhão e outra de 920.000 reais) e bolsas de marcas famosas, cujo preço supera 19.000 reais. O casal adquiria diversos bens por meio de cartas de diversas crédito em uma operação conhecida como smurfing, utilizada para maquiar valores e fugir do radar da Receita Federal e do Coaf. Negociações de imóveis também eram recorrentes. O casal comprou apartamentos e  morava em uma mansão avaliada em 5,7 milhões de reais.

Sacos de dinheiro encontrados durante Operação Kriptos com casal Tunay e Márcia
Sacos de dinheiro encontrados durante Operação Kriptos com casal Tunay e Márcia (reprodução/Reprodução)

Outro casal formado por dois importantes “sacerdotes” de Glaidson é Felipe e Kamila Novais. A Polícia Federal descobriu que entre julho e dezembro de 2018, Felipe informou ao Coaf que, entre diversas atividades, costumava comprar terrenos para a Igreja Universal. Ele é um velho conhecido de Glaidson. Foi Felipe quem virou sócio dele na GAS após a reunião misteriosa A proximidade entre os dois é tanta que o faraó informou o e-mail de Felipe para a PF quando foi tirar passaporte. Kamila e Felipe, segundo a investigação, montaram uma espécie de filial da pirâmide em Brasília.

Espalhar  o esquema como quem difunde a palavra de Deus parece ser um modus operandi recorrente na organização criminosa. Vicente Gadelha e a esposa, Andrimar Morayma Vergel, outros dois fervorosos fiéis da IURD, são apontados como responsáveis por iniciar a captação de novos investidores na Paraíba. O casal também mantinha contas correntes em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o que leva a crer que a quadrilha pretendia diversificar sua atuação no Oriente Médio.

Vicente e Andrimar: dois fervorosos fiéis da Universal envolvidos no esquema
Vicente e Andrimar: dois fervorosos fiéis da Universal envolvidos no esquema (reprodução/Reprodução)

Em uma conversa captada com outro suspeito, Michael de Souza Magno, Vicente trata de uma reportagem realizada pela TV Globo e chega a alegar que na cidade de Cabo Frio há muitas pirâmides financeiras em atividade. Para Michael, a IURD estaria descontente com Glaidson porque muitos pastores teriam deixado a igreja para se juntar ao esquema.

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MICHAEL: Pode até ser coisa lá da igreja, isso daí…
VICENTE: Não, não é não…rapaz, eu acho que tava até demorando. Cabo Frio ta demais. Teve
dois assassinatos, três tentativas de morte, (…)
MICHAEL: Ta lotado…é…trinta porcento…
VICENTE: Não tem como…
MICHAEL: É…só Deus mesmo, irmão, a gente tem que orar por ele.
VICENTE: Irmão, nós tamo no mesmo barco.
MICHAEL: Lógico, pô…com certeza.
VICENTE: Trabalhar…
MICHAEL: Tem que orar por ele, irmão…imagina como ele deve ta agora… é irmão, vambora.

A investigação da Polícia Federal identificou que Glaidson repassou 29,4 milhões de reais à Igreja Universal do Reino de Deus, mas em uma ação de antecipação de provas impetrada pela própria IURD – e indeferida pela Justiça fluminense – o valor das transferências supera 72 milhões milhões de reais. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Igreja, mas, até o momento, não obteve resposta.

 

 

 

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