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#35 O FEMINISMO: Voz rejuvenescida

No século XX, intelectuais lideraram o movimento de libertação das mulheres. Hoje elas já sabem que têm poder para mobilizar multidões

Por Jana Sampaio
Atualizado em 30 jul 2020, 20h09 - Publicado em 21 set 2018, 07h00

Quando este século começou, feminismo era coisa fora de moda. Lembrava os anos 1960, as vozes de Gloria Steinem, a bela, e Betty Friedan, a fera, insuflando donas de casa a rasgar os aventais, lutar por direitos iguais e pôr os maridos para lavar pratos e trocar fraldas. Esse movimento de mulheres para mulheres foi perdendo força até parecer ter-se esgotado — mas a capacidade de mobilização em torno de causas femininas, vê-se agora, continuou vivíssima, aguardando uma faísca. Há um ano, o pavio acendeu e incendiou Hollywood, a terra do cinema e das celebridades: o poderoso produtor Harvey Weinstein, 66 anos, foi acusado de abuso, chantagem e estupro por uma, duas, cinco, dezenas de mulheres, entre elas nomes como Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Salma Hayek. Na onda que se seguiu de indignação furiosa e denúncias a rodo contra figurões do cinema, da política e da imprensa, a voz do feminismo voltou com potência extraordinária, rejuvenescida e multiplicada milhões de vezes — e se espalhou pelo planeta.

O feminismo de agora não tem necessidade de mentoras que abram os olhos de mulheres subjugadas. Até em consequência das vozes e das atitudes ousadas de antes, como jogar fora o sutiã em público (não, queimá-lo em fogueiras nunca aconteceu), hoje elas nascem poderosas e prontas para ocupar espaços. Bastou Weinstein ser exposto para uma legião de anônimas tomar de assalto as redes e fazer virar um canal de libertação a hashtag #MeToo — o movimento criado dez anos antes nos Estados Unidos com o objetivo de acolher denúncias de assédio sexual. “Um assunto desses nas redes sociais torna-se rapidamente campanha, com adesão em massa, visibilidade e capacidade de causar estrondo. Pode não ter a profundidade de um projeto embasado por intelectuais, como foi a liberação sexual e profissional feminina há meio século, mas é capaz de enormes transformações”, explica a escritora Heloisa Buarque de Hollanda, pós-doutora em sociologia da cultura pela Universidade Colúmbia, em Nova York.

O caso Weinstein fez o #MeToo espalhar-se como teia, em questão de dias, por 85 países. Seis meses antes, outro slogan, “Mexeu com uma, mexeu com todas”, havia tomado conta da internet brasileira quando uma figurinista da Rede Globo, Susllem Tonani, escancarou gestos e palavras ofensivas dirigidas a ela pelo veterano ator José Mayer — que não foi processado, porque ela retirou a queixa, mas está até hoje afastado das novelas. “Agora, quando uma mulher relata sua experiência, muitas outras aparecem e formam uma rede de apoio. As vozes e reivindicações ecoam, repercutem no mundo off-line e deságuam no sentimento coletivo de que determinada situação não é mais aceitável”, avalia a escritora e ativista francesa Rokhaya Diallo. “O feminismo se popularizou. Hoje alcança muito mais gente e virou um movimento globalizado”, diz a historiadora americana Estelle Freedman, especialista em estudos da mulher.

LOS ANGELES, 2017 - Abaixo o assédio: a atuação na internet abriu espaço para um maior engajamento (David McNew/Getty Images)

Se na onda feminista do século passado a inimiga da mulher era ela mesma, no movimento atual o vilão é o homem que assedia. Mesmo antes da ação que tirou Mayer do ar, a internet brasileira já mobilizava as mulheres em campanhas como “Chega de Fiu Fiu” e “Meu Primeiro Assédio”. “É interessante notar que cinco anos atrás a palavra assédio mal aparecia no vocabulário feminista, porque assediar não era visto como violência. De lá para cá, a percepção sobre o assunto mudou e veio a virada”, lembra Antonia Pellegrino, uma das responsáveis pelo blog Agora É que São Elas, o primeiro a dar voz a Susllem. Até o momento nenhum desses célebres acusados de assédio foi parar na cadeia, mas muitos perderam o emprego, e o bloco das denúncias continua na rua. Nos Estados Unidos, Weinstein depositou 1 milhão de dólares de fiança para responder em liberdade a um processo, em Nova York — nem a informação de que uma de suas primeiras acusadoras, Asia Argento, pagou para não ser ela mesma acusada de assédio por um ator então menor de idade arrefeceu os ventos antiabusadores.

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A França aprovou uma lei que estabelece multas para atos de assédio na rua — inclusive o fiu-­fiu. Isso no país onde, em resposta ao vendaval que varreu a comunidade dos assediadores em cargos de poder, 100 “francesas influentes”, entre elas a atriz Catherine Deneuve, assinaram um manifesto que pretendia fazer distinção entre flerte e abuso. “O documento foi publicado na imprensa e fez barulho, mas representava uma parcela pequena das francesas. O #BalanceTonPorc” (algo como “exponha seu porco”), equivalente daqui ao #MeToo, teve repercussão muito maior”, afirma a ativista Rokhaya. Até na discreta e meio empoeirada Academia Sueca de Letras, encarregada de selecionar anualmente o prêmio Nobel de Literatura, o clamor antiassédio se fez ouvir: dezoito mulheres acusaram o fotógrafo francês Jean-Claude Arnault, marido da poeta Katarina Frostenson, que integra o comitê do Nobel, e ele próprio figura influente na academia. Em meio ao escândalo, o anúncio do prêmio de 2018 foi cancelado.

A indignação contra assediadores não surgiu do nada, de repente. A valorização da mulher, com tudo o que ela acarreta — sintetizada em uma palavra antipática mas eficaz: empoderamento —, recolocou o feminismo na linha de frente e reabilitou uma bandeira que vinha sendo renegada pelas mulheres modernas, mas que nos últimos anos voltou a ser erguida abertamente. Artistas famosas puseram a vergonha de lado e se declararam feministas. Até as princesas da Disney estão dispensando o príncipe encantado (veja o quadro abaixo).

No rol das frivolidades, o concurso Miss América informou que as candidatas não mais desfilarão em trajes de banho e não serão julgadas pela “aparência exterior”. No vocabulário, o feminismo inventou os termos manterrupting, para homens que interrompem a mulher que está falando, e mansplaining, aplicado àquele que explica coisas óbvias à mulher, vista por ele como um ser de duvidosa capacidade intelectual. No universo das causas sérias, a diferença de salários entre homens e mulheres que ocupam a mesma função ganhou contornos de campanha, a partir de estatísticas inapeláveis. No Brasil, em março deste ano, uma reportagem de VEJA que utilizou cálculos do Instituto IDados baseados em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostrou que no fim de 2016 o holerite dos homens com diploma universitário era 75% mais alto que o das mulheres na mesma situação. Preocupada com esse cenário, a ONU lançou a Coalizão Internacional pela Igualdade Salarial, com metas para que trabalho igual-salário igual seja realidade até 2030. Sem liderança e sem gurus, alastrado pelas redes sociais, no século XXI um novo feminismo pede passagem. Pede, não — exige.


O show das poderosas

Palco - Elas têm a força: Anitta desafia o machismo, Mulher-Maravilha ganha filme e Elsa não casa (Thamiris Souza/FotoArena/DC Comics/Divulgação/Walt Disney/Divulgação)

O poder da mulher está presente nas letras e nas atitudes de cantoras como Beyoncé, Lady Gaga e, no Brasil, Anitta, a poderosa de plantão no machista ambiente do funk carioca. A força delas também moldou uma reviravolta nas princesas da Disney, desde Elsa, do megassucesso Frozen, que dispensa o casamento com um príncipe no happy end, até a havaiana Moana, que, além de solteira, é muito independente. Culminando o ímpeto empoderador, a Mulher-Maravilha (na pele da israelense Gal Gadot) subiu ao pódio de super-heroína com um filme para chamar de seu.

Leia o artigo.

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

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