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Por uma Justiça mais ágil

Prisão de Pimenta Neves reacende discussão sobre excesso de recursos e morosidade; presidente do STF, Cezar Peluso faz campanha para emplacar proposta – controversa - que muda as regras do jogo

Por Mirella D'Elia
27 Maio 2011, 23h30

A prisão do jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, na última terça-feira, reabriu o debate sobre conhecida mazela da justiça brasileira: o excesso de recursos, que faz com que os processos se arrastem na Justiça. Condenado em maio de 2006 pelo assassinato da também jornalista Sandra Gomide, em 2000, Pimenta Neves ficou cinco anos fora da cadeia valendo-se de toda sorte de instrumentos que o ordenamento jurídico oferece àqueles que dispõem de meios para retardar o cumprimento de uma sentença.

“Enfim, é chegado o momento de cumprir a pena”, resumiu o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, ao mandar prender Pimenta Neves, encerrando impressionante batalha judicial. Foram mais de 20 recursos apresentados pela defesa.

Uma alternativa para encurtar esse caminho, defendida pelo presidente do Supremo, Cezar Peluso, ganhou força. Ele é autor de uma medida controversa nos meios jurídicos e políticos. Pela proposta, uma decisão de segunda instância deve ser executada de imediato, mesmo que ainda haja recursos pendentes no STF ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o princípio estivesse em vigor, Pimenta Neves estaria atrás das grades desde dezembro de 2006, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou a condenação.

O senso de justiça faz desejar que assim fosse. Réu confesso, Pimenta Neves foi preso onze anos depois de ter atirado na ex-namorada pelas costas, em um haras em Ibiúna, no interior de São Paulo. Doentes, os pais de Sandra Gomide ainda não receberam indenização.

O sistema judicial brasileiro favorece o uso de recursos com mero intuito protelatório – o que outro ministro do Supremo, o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, costuma chamar de chicana. Com razão. Na mais alta corte do país, são julgados 100.000 processos por ano. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 90% são recursos. Que, em 80% dos casos, não mudam nada do que fora decidido em instâncias inferiores.

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Outros números ajudam a vislumbrar melhor o panorama. De acordo com os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2009 havia 86,6 milhões de processos em tramitação. Destes, mais de 70% eram casos antigos. A administração pública, também segundo o CNJ, é a maior cliente do Judiciário, responsável por mais da metade de tudo o que se julga no país.

Saiba o que aconteceria se a proposta do ministro Cezar Peluso estivesse em vigor:

Engrenagem – Não é de hoje que se discutem estratégias para azeitar a engrenagem da Justiça brasileira. Circulam no Congresso Nacional propostas para reformar o Código de Processo Penal (CPP) e o Código de Processo Civil (CPC). Ambas trazem sugestões para enxugar o número de recursos. Pilotado pelo atual ministro do STF Luiz Fux, o anteprojeto do CPC foi saudado à época de sua aprovação no Senado como uma forma de tornar a Justiça mais ágil. Com as mudanças, estima Fux, a duração de processos cairá pela metade. A matéria ainda precisa ser votada na Câmara.

A dúvida que paira no ar é em relação à efetividade da ideia defendida por Peluso. E mais: se há vontade política para que ela avance no Parlamento. Seria necessário, em meio a tantos projetos já em tramitação para reformar, de forma global, o sistema judiciário, lançar uma mudança pontual? Juiz de carreira, o presidente do Supremo diz que sim.

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Prestes a sair do posto, em abril do ano que vem, Peluso está em campanha aberta para deixar uma marca de sua gestão: a de reservar à Suprema Corte a tarefa de pacificar temas relevantes para a sociedade – como o julgamento sobre a união civil de casais do mesmo sexo. “Essa é uma das minhas metas. Desafogar o Supremo é permitir que o Supremo julgue com tranquilidade, com mais vagar, as grandes causas. E que os processos sejam julgados mais rapidamente, para que a sociedade tenha uma resposta rápida”, disse o ministro ao site de VEJA.

“Se eu conseguir, vou ficar felicíssimo. Quero resolver o problema do povo. O povo está reclamando que o Judiciário demora, que os processos não são julgados e que, portanto, há impunidade”.

O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa
O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa (VEJA)

Opositores e aliados – Em sua empreitada, o ministro parece ter colecionado mais opositores que aliados. Ao lado dele, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) encampou a ideia, fez modificações técnicas e apresentou uma PEC com o mesmo propósito. “É preciso racionalizar o sistema judiciário brasileiro. Não existisse a possibilidade desses recursos todos, o Pimenta Neves já estaria punido, na forma da lei, por esse bárbaro crime”, afirmou o parlamentar. A PEC está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Recentemente, presidentes de Tribunais de Justiça (TJs) manifestaram apoio ao texto.

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Do outro lado do ringue há inúmeras vozes contrárias. A reação mais irada partiu dos advogados. Argumentam que a iniciativa fere o direito de defesa e o princípio da presunção da inocência (segundo o qual uma pessoa só é considerada culpada quando houver decisão final da justiça), podendo provocar injustiças. Dizem que se uma questão tributária for executada, o dinheiro devido for pago e, mais tarde, os tribunais superiores reformarem a decisão, nunca mais se verá a quantia. Outra queixa é em relação ao direito penal.

A PEC, sustentam advogados, pode resultar em prisões indevidas. Opina o jurista Ives Gandra Martins: “Se a Constituição Federal garante que há ampla defesa, o adjetivo ‘ampla’ tem densidade própria. Não se pode ter uma semi-ampla defesa”. “Atribuir ao recurso especial e ao extraordinário a culpa pela morosidade, com todo o respeito, sugere isolamento do mundo real”, criticou o advogado e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Almir Pazzianotto Pinto, em artigo recente publicado no site do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Peluso rebate. E justifica sua tese com números. Mandou fazer um levantamento sobre os recursos que chegam ao STF e detectou que poucas são as decisões penais modificadas em última instância – apenas uma em um universo de quase 65.000 nos últimos dois anos. “Não há motivo para os advogados ficarem preocupados com uma eventual ilegalidade nos processos criminais. Eles sempre usaram e vão continuar usando o habeas corpus, manejam esse instrumento muito bem”, afirmou, com uma ponta de ironia.

O ministro enfrenta resistências no Executivo e no Legislativo. O Planalto não está convicto de que a proposta irá integrar o chamado “Terceiro Pacto Republicano”, conjunto de projetos discutidos por técnicos dos três Poderes para aperfeiçoar e dar mais agilidade ao Poder Judiciário, que deve ser lançado ainda no primeiro semestre. A interlocutores, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, confidenciou que o tema é controverso. No Congresso, há quem diga que a PEC não vai passar.

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O fogo amigo vem até de companheiros de toga. Reservadamente, como é de praxe na Suprema Corte, colegas dizem que a proposta deveria ser mais debatida e que há “perplexidades constitucionais” nela. Marco Aurélio Mello é o único a partir para o ataque: “O projeto ressoou como se fosse algo do colegiado. Não passou por ele.” Se a PEC for aprovada, certamente será questionada no próprio plenário do Supremo.

Magistrado experiente, Peluso escolheu a roupagem apropriada para levar adiante seu intuito – uma Proposta de Emenda Constitucional. Tanto é que ideia semelhante chegou a ser cogitada durante a discussão do Código de Processo Penal, mas foi deixada de lado por uma questão eminentemente técnica: seria preciso mudar o texto da Constituição e não apenas aprovar uma lei ordinária para promover esse tipo de modificação.

A bola está com os parlamentares, a quem caberá discutir a questão e decidir se ela irá vingar ou não. “O foro de discussão foi deslocado do Supremo para o Senado”, disse Peluso, citando a PEC do senador Ricardo Ferraço, já em tramitação.

Agora, resta esperar para conferir o desfecho da campanha de Peluso. A batalha promete ganhar ares ainda mais duros daqui para frente. Com a palavra, Ives Gandra, amigo do presidente do Supremo. “Essa ideia me faz lembrar aquela frase de Aristóteles sobre Platão: ‘Sou amigo do Platão, mas sou mais amigo da verdade’. Eu sou muito amigo do Peluso, mas sou mais amigo da Constituição Federal.”

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As propostas em discussão para diminuir o excesso de recursos
Cezar Peluso Ricardo Ferraço
O presidente do STF quer que as decisões de segunda instância sejam aplicadas de imediato, mesmo que haja recursos em discussão tanto no STF quanto no STJ. Peluso propõe mudanças nos artigos 102 e 105 da Constituição. A PEC não foi apresentada oficialmente ao Congresso O senador do PMDB inspirou-se na ideia de Cezar Peluso e apresentou uma PEC que modifica os mesmos artigos da Constituição. O efeito prático

é o mesmo, apenas com diferenças técnicas. O Senado vai discutir se a proposta de Peluso pode ser incorporada ao texto. A matéria está na CCJ

do Senado

Código de Processo Civil Código de Processo Penal
O projeto, proposto pelo senador José Sarney, também propõe modificações na tramitação

de recursos. A principal delas prevê que recursos sobre o mesmo tema sejam julgados apenas uma vez. Assim, uma única decisão

vale para centenas ou até milhares de ações iguais. Aprovado no Senado, está

na Câmara

A proposta, também de autoria do senador José Sarney, tem duas ideias centrais para diminuir recursos. A primeira: apenas um embargo de declaração (usado para esclarecer uma decisão) pode ser apresentado em cada instância. A segunda: o relator decide um tema sobre o qual o tribunal já tenha jurisprudência. A proposta passou pelo Senado e está na Câmara
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