Sim, pode ser que sua internet seja limitada pelo governo
O aviso é da advogada Flávia Lefèvre, que ainda explica que o bloqueio não seria, porém, legal, pois feriria o Marco Civil da internet brasileira
O debate sobre o limite da banda larga voltou à tona, na quinta-feira passada (12), quando o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Giberto Kassab, afirmou que o fim dos planos de internet ilimitada chegaria no segundo semestre deste ano. O que atenderia a uma antiga demanda da maioria das operadoras de telefonia do país — mas incomodaria os consumidores. No dia seguinte (13), porém, Kassab voltou atrás dizendo que “não haverá mudanças no modelo atual de planos de banda larga fixa, reiterando o compromisso em atender o interesse da população e do consumidor”.
No entanto, para a advogada Flávia Lefèvre, integrante da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), membra da Coalizão de Direitos da Rede (CDR) e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), a declaração foi uma antecipação do que estaria por vir: é provável que a internet seja mesmo limitada, em ação conjunta do governo com as operadoras; e a retirada do ministro seria apenas uma tática provisória para fugir das críticas da população. Ou seja, na prática Kassab só teria se precipitado com o anúncio que deve ser feito em alguns meses.
Confira, abaixo, a análise de Lefèvre:
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Qual é a razão por trás da proposta de limitar a internet? Na nossa avaliação (Proteste) essa intenção está relacionada à uma insuficiência de investimento do governo (por meio de políticas públicas que obriguem as empresas a investirem) em infraestrutura para proporcionar e dar suporte para uma melhor conexão de internet no país. Quando não se cria essa condição, a solução aparece como forma de limitar a franquia. Aí o usuário não tem escolha: quando acaba ou ele paga para ter mais, ou não usa. Dessa forma, a rede acaba ficando livre apenas para os grandes consumidores, aqueles que podem pagar. Acaba-se por criar, assim, dois tipos de acesso à internet: uma para os ricos, outra para os pobres. Além disso, tudo ainda tem a ver com o lucro das empresas que prestam esse serviço. Quando os dados acabam nos pacotes com franquia da telefonia móvel, você é bloqueado ou só tem acesso a alguns aplicativos, como o Facebook e o Whatsapp. Esse modelo é vantajoso para as empresas porque, além delas ganharem com a venda dos dados, ainda têm a negociação com os responsáveis pelos apps que continuarão em funcionamento. Tal prática transforma a internet quase em uma TV a cabo, com a venda de pacotes específicos.
E isso seria ilegal? Ambas as motivações violam o Marco Civil da Internet e, portanto, são ilegais. A lei reconheceu que o acesso à rede é um serviço essencial e só pode ser interrompido se o consumidor não pagar a conta. Já a discriminação por aplicativo viola a garantia de neutralidade da rede, também exposta no documento. Por isso, a proposta de franquia em si não faz sentido nenhum. Mesmo assim, aposto que ela será implementada em poucos meses, ainda neste ano.
A redução da velocidade após o uso total do pacote poderia acontecer? Sim. Mas teria um limite para ser reduzida, no máximo de até 1 MB.
Como é em outros países? Muitos países usam a franquia. Os EUA, por exemplo, limitam a internet. A diferença é que o volume de dados lá é muito maior do que aqui. Um americano que contrata um plano básico tem 30 GB e, se ele não utiliza tudo, o restante fica para o mês seguinte. Quando o pacote chega ao fim, a velocidade é reduzida e o usuário não fica sem conexão. No Brasil, tem pacotes básicos que vão de 200 MB a 600 MB. Isso mal dá para assistir a um filme.
Por que você acha que o ministro Kassab voltou atrás na decisão de limitar a internet? Repito: acreditamos que ele não voltou atrás. O ministro está muito afinado com o presidente da Anatel (Juarez Quadros). Desde 2015, a agência vem se mostrando a favor da limitação, apesar de ter lançado uma consulta pública sobre o caso, que só termina em 30 de abril. O que aconteceu é que o Kassab esqueceu que, publicamente, outras partes tinham que ser ouvidas e adiantou o “resultado do jogo”. Para não ficar feio, ele voltou atrás. Essa atitude, porém, contraria uma previsão do Marco Civil, que diz que a governança da internet tem que ser “multiparticipativa” e envolver diversos setores da sociedade. O ministro atropelou a atribuição e as competências legais de todos esses órgãos.
Limitar a internet fere o direito de expressão dos brasileiros de alguma forma? Claro. O acesso à internet é um serviço essencial por si só, mas também é imprescindível para garantir outros serviços, também essenciais, ao cidadão. Alguns deles só são possíveis de serem executados por meio da internet, como a inscrição em alguns programas sociais, em vestibulares, dentre outros. Se o governo permitir o bloqueio, estará ferindo o Marco Civil e, ainda, diversos direitos fundamentais do brasileiro.