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O FaceApp e a velha privacidade

Punição ao Google e à Apple no Brasil por descuido com dados dos usuários no aplicativo reacende debate sobre segurança on-line

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2019, 10h23 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

Bastava tirar uma selfie e enviá-­la ao aplicativo FaceApp, devidamente baixado antes no próprio celular, para receber, em seguida, a imagem de si mesmo com o rosto envelhecido, as rugas virtuais vincando o tempo, saltando os anos em questão de segundos. Também era possível usar a foto para fazer o caminho inverso — e se ver de novo com ares de bebê. Era julho, e brincar com a idade logo se tornou viral. Centenas de milhares de pessoas, incluindo celebridades, passaram a compartilhar as suas “versões alternativas” nas redes sociais.

Não demorou e começaram a brotar galerias de imagens do gênero “Veja estes jogadores de futebol envelhecidos” ou “Como serão estas estrelas de Hollywood quando ficarem velhinhas”. Tudo parecia — e era, de fato — muito divertido. Mas havia um lado obscuro, que não demorou a se revelar: a origem do programa que virava a idade de ponta-cabeça era a Rússia. E, bem: a mistura de russos com informações pessoais costuma dar problema. Rapidamente, veio o temor: o aplicativo poderia se transformar no novo perigo mundial da internet?

Ainda em julho, o senador democrata americano Chuck Schumer solicitou ao FBI que fosse investigado qual era o uso dado às imagens quando elas chegavam aos servidores da empresa responsável. Naquele mesmo mês, no Brasil, o Procon pediu aos russos explicações sobre o que era feito com os dados de quem baixava o programa. Recebeu como resposta os termos que deveriam ser aceitos por quem queria instalar o app: “Os usuários disponibilizam o uso perpétuo, irrevogável, irrestrito e livre de royalties de todos os dados, que podem ser reproduzidos, modificados e distribuídos a outras empresas sem necessidade de permissão”. Foi com esse documento em mãos que, em 30 de agosto, o Procon-SP decidiu emitir duas multas, no valor total de 17,7 milhões de reais, destinadas não à desenvolvedora do app, a Wireless Lab, e sim ao Google e à Apple, responsáveis por oferecer, em suas lojas, o download do FaceApp. O motivo é que o programa em questão está em desacordo com a legislação brasileira, pois não apresenta seus termos de uso e privacidade em português — só em inglês — e coleta dados sem dar explicações claras sobre o modo como pretende utilizá-los. Isso fere o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet.

CASAL SÊNIOR - Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso: versões alternativas (//Divulgação)
(./.)

Segundo especialistas na área, ao optar por multar os dois gigantes da web, o órgão brasileiro deu margem a um espinhoso debate no universo virtual. Pode-se compreender o porquê. É impossível que se cobre a adequação a normas locais, para cada país, dos mais de 400 000 aplicativos que são criados globalmente todos os anos. Para o advogado Adriano Mendes, especialista em direito digital, as multas direcionadas aos provedores de aplicativos são impróprias e desmedidas para o mundo virtual, que não segue as mesmas regras do mundo real. “O FaceApp coletava mais informações do que o necessário para cumprir sua função e não dizia qual a finalidade disso. No entanto, se formos aderir à multa, Facebook, Instagram e Linked­In deveriam ter o mesmo tipo de vigilância do Procon”, afirma Mendes.

Tudo somado, pode-se dizer que, no episódio do FaceApp, o Google e a Apple pagaram o pato numa daquelas situações em que o comportamento da sociedade andou mais rápido que a legislação. A norma vigente, no Brasil e no exterior, é clara: as empresas que trabalham com programas e conteúdos de terceiros não precisam revisar o contrato do usuário a fim de verificar sua conformidade com as leis do país em questão, porque isso equivaleria a um tipo de “censura prévia”. O caminho indicado seria uma ação judicial, movida por um órgão de defesa do consumidor — como o Procon —, para a remoção do aplicativo cujos termos de uso e privacidade eventualmente desrespeitem a regra. Criar versões locais para lojas globais de aplicativos representaria um trabalho praticamente impossível se levados em conta os 5,7 milhões de apps disponibilizados por Google e Apple. Exigir um controle rígido impediria o acesso dos usuários a boa parte dos serviços oferecidos por meio dos dois gigantes do Vale do Silício. Apesar de o Brasil estar entre os cinco maiores mercados consumidores de aplicativos do planeta — 20 bilhões de downloads por ano —, sua situação é de dependente dos desenvolvedores, porque cria apenas 2,8% dos apps. Somente na China autoritária tais programas passam pelo crivo do governo — e o Google e a Apple não oferecem aplicativos por lá. Sobre o imbróglio brasileiro, a Apple nada quis comentar. O Google informou que recorrerá da multa.

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

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