Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

O hábito de telefonar ressurge em meio à pandemia de coronavírus

Posto em desuso pelas onipresentes mensagens de voz, ele está de volta, aproximando pessoas em tempos de distanciamento social

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 4 jun 2024, 14h46 - Publicado em 30 abr 2020, 19h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • O advento do telefone abriu, no fim do século XIX, a revolucionária possibilidade de a voz humana ser transmitida a longas distâncias, interligando as pessoas como nenhum outro artefato o fizera. Elas tanto se afeiçoaram à criação de Alexander Graham Bell (1847-1922) que passaram a cultivar o hábito de ficar por horas ali penduradas (esse era o verbo). Muitas décadas depois, vieram os smart­phones e com eles as mensagens por escrito, que foram rareando as ligações de voz — um fenômeno que alcançou o auge com a chegada do onipresente Whats­App. Provavelmente Graham Bell acharia curio­so o fato de seu invento ser acionado neste século XXI muito mais para disparar mensagens e e-mails, navegar nas redes ou mesmo consultar a previsão do tempo do que para… ligar. Foi apenas com o mundo posto do avesso pela pandemia que o telefone (leia-se o celular, já que os aparelhos com fio vira­ram peça de museu) reencontrou sua função original. Confinada em casa, uma multidão redescobre as alegrias do bom e velho alô. Alô!

    O fenômeno é universal. Nos Estados Unidos, o fluxo de ligações diárias mais do que dobrou em comparação com o do Dia das Mães, quando sempre bate recorde — mesma expan­são aferida pelo Facebook, que fez um levantamento de ligações de voz nos países mais afetados pela Covid-19, o Brasil aí incluído. Já as grandes telefônicas brasileiras registraram aumento no tempo de bate-­papo de até 50%. “Quase duas décadas atrás, minha missão era vender linhas fixas e, depois, tempo no celular. Lá pelos anos 2010, essa função começou a ficar obso­leta com o surgimento dos torpedos — e cobrar pelo uso da voz deixou de fazer sentido”, conta o vice-presidente de marketing e vendas da Vivo, Marcio Fabbris. Para ele e outros nesse mercado, os dias atuais soam como uma viagem no túnel do tempo.

    As mensagens por escrito instauraram novos códigos — telefonar era só nos casos de elo forte entre as partes ou quando a delicadeza do assunto justificava. Gerações Y e Z até cunharam um apelido à tribo não afeita à voz: os “não me liguers”. Pois eles voltaram a ligar para romper a quietude do lar. “Quando não tem o peso de uma obrigação, falar ao telefone vira uma forma de passar o tempo apreciando o que o outro diz”, explica Carolina Salvador, de 28 anos, uma ex-“não me liguer”. A boa sensação experimentada por ela e tantos outros quarentenados tem raízes biológicas, afirma o pesquisador americano Julian Treasure, cuja palestra sobre o poder da voz é um dos dez TED Talks mais vistos da história. Ele diz: “A voz humana é um som extre­mamente poderoso, capaz de nos afetar cognitivamente. Enquanto a leitura e a escrita existem há cerca de 4 000 anos, a fala está aí há pelo menos 150 000 — o que significa que nosso cérebro é muito mais preparado para interpretar emoções a partir do timbre, das pausas e das entonações do que com base nas letras”.

    A voz também é potente ferramenta para espantar os incontornáveis mal-entendidos que as mensagens escritas perigosamente deixam pelo caminho. A linguagem cravada na tela dos smartphones, é verdade, dá aos mais tímidos o benefício da pouca expo­sição e aos emotivos — e explosivos — a chance de pensar duas vezes, de dedilhar e apagar uma ideia. Mas isso também pode significar um empobrecimento da comunicação. “Não ter de lidar com reações em tempo real é confortável, mas perde-se a oportunidade de aprender a regular as próprias emoções”, pondera Treasure, o defensor das palavras ditas em alto e bom som. Trancada em casa com os dois cachorros, a chef Nathalie Passos, de 27 anos, era do tipo que, literalmente, não fazia (nem atendia) ligações. Transformou-se. “Percebo que as conversas estão mais sensíveis, as pessoas prestam mais atenção ao que as outras falam”, diz ela, que, sim, engrossa a turma dos que resgataram o vocábulo “pendurado” no telefone.

    Chamadas de vídeo — seja para aulas on-line, seja para reuniões de trabalho ou festas ao novo estilo, cada qual na sua casa — também foram impulsionadas pelo confinamento. Mas as ligações sem nenhum estímulo exter­no — nem sequer um emoji — definitivamente conquistaram seu lugar. “Quando um cliente fecha os olhos para se concentrar no cheiro de um prato, ele foca no olfato e limita os demais sentidos, aguçando aquele que está em uso. É o que acontece na conversa só com a voz, que envolve intimidade e imaginação”, observa David Baker, cofundador da The School of Life, grupo liderado pelo filósofo Alain de Botton. O retorno das conversas mais demoradas e densas pode ser uma boa herança destes dias de confinamento. Por ora, elas estão preenchendo um incômodo vazio, às vezes solidão, que emerge com o distanciamento social. Nos Estados Unidos, até as funcionárias de call center, normalmente rejeitadas ao primeiro alô, estão sendo atendidas com entusiasmo por gente que quer jogar conversa fora. Rsrsrs. É, o mundo não é mais o mesmo.

    Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.