Não é brincadeira. A indústria de videogames mudou de fase e avança firme e forte no cenário do entretenimento global. Neste ano, pela primeira vez, o setor deve ultrapassar a marca de 3,3 bilhões de jogadores — quase metade da população mundial — com um faturamento de 188 bilhões de dólares. Para efeito de comparação: a máquina de cinema deve arrecadar pouco mais de 77 bilhões de dólares agora em 2023, número especialmente positivo e até surpreendente, alavancado por sucessos como Barbie, Oppenheimer e Super Mario Bros., que saltou de um mundo para outro. Há uma explicação para o salto dos jogos eletrônicos: o sucesso e a onipresença nos smartphones, atalho para maior engajamento de quem brinca e, é natural, interesse das empresas. Os estúdios trabalham como nunca.
O fenômeno de popularização dos games vinha crescendo de forma sólida e constante. Ganhou ainda mais tração nos últimos anos, com a chegada da nova geração de consoles, como o Xbox Series S, o PlayStation 5 e o Nintendo Switch — além, insista-se, da âncora na palma da mão, em celulares. Entre 2020 e 2021, contudo, a pandemia atrapalhou tudo. Com as pessoas fechadas em casa, mais horas foram gastas diante das telas, sim, e cresceu também a procura por aparelhos. No entanto, — eis a contrapartida da quarentena imposta pela crise —, as produtoras foram obrigadas a interromper cronogramas e forçadas a adaptar o sistema de trabalho para um modelo remoto, e então a roda começou a girar devagar, como se a civilização andasse para um game over.
Não foi assim, e deu-se a retomada (leia no quadro). O rol de lançamentos de 2023, e os que estão programados para os próximos meses, é de tirar o fôlego, indício de saúde. Alguns títulos haviam sido adiados em razão da emergência do vírus e, finalmente, chegaram às prateleiras, físicas e virtuais, repletos de expectativa. É o caso de Starfield, épico de ficção científica ambientado em uma vasta galáxia totalmente explorável; de Hogwarts Legacy, RPG que se passa no cenário da saga de Harry Potter, e de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. “Os grandes títulos são responsáveis por fazer o público gastar mais dinheiro”, afirma Carlos Silva, sócio da Go Gamers, consultoria especializada no mercado de games. A engrenagem econômica é interessante. Consumidores compram consoles para jogar determinados títulos e investem em acessórios para complementar a experiência, como controles ou teclados. No Brasil, dado os valores impraticáveis, há pouca compra por indivíduo, apenas dois ou três títulos por ano, e olhe lá. “Como muitas vezes é preciso fazer escolhas, os grandes lançamentos é que são selecionados”, diz Silva.
A locomotiva puxada pelos celulares pode ser traduzida em cifras. O setor de console e computadores, somados, representam 93 bilhões de dólares anuais, segundo relatório da Newzoo, consultoria especializada em dados de mercado. O segmento mobile, sozinho, responde por 92,6 bilhões de dólares, e não para de se expandir. Os motivos: a facilidade de uso, a vasta disponibilidade de títulos e o custo mais baixo. Não por acaso, mergulhados nesse universo que cabe nos smartphones, grandes estúdios como a Ubisoft estão levando suas franquias para os pequenos aparelhos. Assassin’s Creed Mirage, que em outubro será lançado para consoles, no início de 2024 chegará com estardalhaço nos iPhones de última geração. O AC Jade, pensado para celulares, será jogável também no Android.
Como a invenção é mãe da necessidade, modelos inovadores de negócios despontaram no horizonte. É o caso do streaming popularizado pelo Game Pass, da Microsoft, em que há a cobrança de uma mensalidade recorrente em troca do acesso livre a um vasto catálogo de jogos — exatamente como funcionam serviços de filmes e música. Assim, faz todo sentido que gigantes de outros segmentos de diversão comecem a desenvolver projetos dentro do setor de games. A Netflix, por exemplo, já pôs no mercado algumas iniciativas pontuais, mas prepara o lançamento de grandes títulos. E, certa de precisar crescer nesse campo, recrutou desenvolvedores de peso, como o brasileiro Rafael Grassetti, que trabalhou 10 anos na Sony e foi diretor de arte do mais recente game da franquia God of War. “Estamos trabalhando em um jogo original, de grande orçamento e com total liberdade”, diz Grassetti, cujo contrato não autoriza a divulgar títulos. “É tudo o que eu queria”. É o que querem os fanáticos usuários de games.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860