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Licença para telefonar

Sabe-se que o telefone foi inventado para uma pessoa falar com outra, mas hoje o aparelho é usado para tudo, menos falar

Por Carol Zappa
Atualizado em 4 jun 2024, 16h15 - Publicado em 30 nov 2018, 07h00
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  • O telefone chama uma, duas, três vezes, e nada. Ele é solenemente ignorado. O toque soa invasivo e obsoleto (ainda que a era dos smartphones tenha substituído o velho trim-­trim por uma miríade de sons com estilo e graça). O fato é que o mundo girou, e o ato de conversar ao telefone foi se tornando um daqueles hábitos em desuso diante da praticidade das mensagens de texto. De uns tempos para cá, toda uma etiqueta se ergueu em torno dessa forma instantânea de comunicação. E não foi apenas nos limites das gerações Y e Z, nascidas a partir da década de 80 — embora elas liderem a turma que, literalmente, não liga. Na nova cartilha, antes de qualquer coisa, faça uma perguntinha básica por WhatsApp: “Pode falar?”. Ao sinal positivo, aí sim, vá em frente.

    Lembre-se que conversa, conversa mesmo, não se aplica a muitos casos. Em geral, só quando o assunto é demasiado delicado ou o elo entre as duas partes é sólido o suficiente. O empresário Emerson Martins, de 46 anos, nem se lembra da última vez em que estabeleceu contato por celular fazendo uso da voz. “Só atendo se vejo que é uma das minhas filhas ou um sócio com um assunto urgente”, diz ele. “Nos grupos de WhatsApp, respondo tudo a meu tempo”, afirma o empresário (neste caso, excepcionalmente, por telefone). Nas pesquisas, a possibilidade de gerenciar o ritmo e o tom das respostas aparece como uma das principais vantagens das mensagens de texto.

    Em um levantamento conduzido por uma operadora de telefonia britânica, 63% dos entrevistados afirmam que se recusam a atender ligações de números desconhecidos. O mesmo grupo, quando indagado sobre que funções do celular lhe são mais úteis, coloca “ligar” em 11º lugar, atrás dos previsíveis enviar mensagens e e-mails, navegar no Facebook, tirar fotos e até consultar a previsão do tempo. O acelerado avanço tecnológico, que traz múltiplos aplicativos e distrações, faz do celular um objeto cada vez mais distante de seu propósito original — fenômeno percebido em alto grau entre brasileiros. Em 2013, 80% diziam usar o aparelho prioritariamente para “chamadas”, segundo a consultoria Deloitte. Em 2016, já eram elas, as mensagens, as mais citadas por 79%. “Há uma demanda crescente por conteúdo, sobretudo nas faixas mais jovens, que migraram da voz para os aplicativos”, diz Bernardo Winik, diretor da Oi.

    Não só a economia de tempo e a possibilidade de peneirar os contatos atraem tanta gente para o universo dos aplicativos. Eles permitem que as mensagens sejam pensadas e repensadas — e até apagadas depois de mandadas, um benefício para os arrependidos ou atrapalhados. “Com a mensagem, dá mais tempo de elaborar e refletir sobre a conversa”, explica a estudante de serviço social Luiza Ribeiro, de 17 anos, que vive no Rio de Janeiro e abre uma exceção para falar com os pais, que estão no Acre. Mesmo assim, são ligações ao jeito moderno: via chamada de vídeo e de não mais que dez minutos (uma eternidade, aliás). Como outras pessoas de sua geração, ela ainda tem viva na memória a fase em que, quem diria, ficava pendurada no telefone. A reviravolta foi de cinco anos para cá.

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    (Arte/VEJA)

    A mudança de costumes se amolda não apenas à era do frenesi da digitação e à ideia da instantaneidade, como também favorece quem nunca foi afeito ao telefone. “A comunicação por meio eletrônico dá a sensação de maior controle aos mais tímidos e contidos”, observa a psicóloga Ceres Araujo. Mas nem tudo são flores neste mundo zap-zap. O psicólogo Cristiano Nabuco alerta para o risco da impessoalidade: “Na conversa tradicional, devem-se modular os sentimentos, a voz e evitar bocejos; já na virtual dá para construir as respostas e exibir uma imagem mais satisfatória. O contato fica mais superficial”.

    Ligar virou um ato cercado de cerimônia. Quando uma ligação no impulso é retribuída com absoluto silêncio do outro lado, melhor não insistir. No vácuo de um alô, há quem troque a mensagem de texto pela de voz, o que, de novo, periga ser incômodo. Vai saber em que condições o interlocutor se encontra para ouvir o recado? O terreno das mensagens de texto também tem seus macetes, para evitar, com o perdão da velha expressão, linha cruzada. “É preciso ter cuidado com as palavras, para não haver mal-en­tendidos”, diz o psicólogo Nabuco.

    O invento de Alexander Graham Bell (1847-1922) já foi um cobiçado objeto de desejo. No Brasil, até a década de 80, os poucos afortunados que conseguiam uma linha fixa amargavam mais de dois anos na fila. Era item tão valioso que passava como herança de pai para filho. Com a privatização e a chegada dos celulares, nos anos 90, o furor pelo telefone fixo despencou. As linhas foram caindo, caindo e, só no ano passado, 2 milhões desapareceram de lares brasileiros (veja o gráfico). O celular apagou da memória o tempo em que se esperava meia hora por um sinal de discagem e até um dia para completar um interurbano. Hoje é tudo instantâneo. E silencioso. Psiu.

    Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611

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