Você sabia que a cantora Preta Gil financiou cada docinho de seu casamento com dinheiro da Lei Rouanet? Que Donald Trump chamou os imigrantes brasileiros de “porcos latinos”? Está por dentro da iminente declaração de guerra do Brasil à Venezuela? Se respondeu algum sim, lá vai o alerta: todas são manchetes falsas, apesar dos milhares de compartilhamentos que receberam nos últimos meses.
Elaborados com títulos picantes, tais embustes se espalham pela internet com velocidade supersônica a partir de sites que imitam a aparência e a linguagem do jornalismo profissional. Por trás deles, há gente bem esperta, que faz da boataria um negócio, graças ao tino para conseguir cliques. Um dos prodígios é Alberto Betto Silva, de 36 anos. Morador de Poços de Caldas, no sudoeste mineiro, ele se dedica em paralelo à criação das chamadas galinhas gigantes (espécie na qual os machos atingem perto de 1 metro de altura) no sítio onde vive. No mundo digital, ele tem três sócios e dez colaboradores, que comandam uma dezena de sites, nos quais as lorotas, como é regra no meio, aparecem misturadas a notícias fidedignas, frequentemente colhidas nos grandes portais.
A lista inclui conteúdo político para todos os gostos ideológicos: vai do direitista Brasil Verde Amarelo ao esquerdista Em Nome do Brasil. A galinha gigante do portfólio é o conservador Pensa Brasil, com declarados 2 milhões de acessos diários e faturamento na casa dos 100 000 dólares (cerca de 328 000 reais) em 2015, segundo relatou Silva a VEJA. Sua empresa tem sede legal nos Estados Unidos, o que dificulta a tarefa de quem deseja processá-lo. “Nossa função é informar”, resume.
As “denúncias”, explica, frequentemente chegam por e-mail ou WhatsApp. Nos textos, as maledicências são tomadas como verídicas, sem nenhuma checagem ou ponderação. “Cabe às autoridades do país apurar se a informação é certa ou errada”, diz, isentando-se da responsabilidade. De seu teclado surgiu, por exemplo, a denúncia falaciosa contra Preta Gil, que ele conta ter sido baseada em e-mail de uma pessoa que se apresentou como parente da cantora. Só o que importa é conseguir muitos acessos. Quanto mais audiência, maior é o repasse financeiro das ferramentas que vendem espaços de publicidade em massa na internet. “Eu costumo dizer para as pessoas que não entendo onde está a verdade. Essa palavra para mim é um pouco misteriosa: a verdade”, filosofa.
Com essa conveniente interrogação na cabeça, o Sócrates de Poços de Caldas é muito bem tratado pelo Google, que lucra veiculando anúncios em suas páginas. Ele exibe orgulhoso nas redes sociais fotos e vídeos nos quais aparece em eventos na imponente sede da empresa americana em São Paulo, onde foi recebido como “publisher”, em meio a taças de bebida, em uma festa em novembro. Em outra foto, no mesmo local, segura placa de acrílico com o logo do buscador, uma honraria, segundo descreve, pelo desempenho “promissor” do portal Saúde, Vida e Família, seguido por 100 000 fãs no Facebook. Entre suas “valiosas” dicas sem nenhum lastro está a receita de um suco milagroso para emagrecer 2,5 quilos em cinco dias.
Um dos pontos preocupantes de sites assim é que o erro deixa de ser um descuido amador para se tornar o fundamento do trabalho, pois as notícias falsas são muitas vezes mais saborosas. O Click Política obteve 281 000 interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) no Facebook ao anunciar em caixa-alta: “CONFIRMADO PELO MEC: Universidades públicas serão extintas por todo o país”. O responsável João Antônio Neto assume que não procurou ouvir o Ministério da Educação. Apenas registrou um boato “que correu aqui no Nordeste”. Ele vive na paraibana Sousa, cidade com 69 000 habitantes, onde dá expediente na rádio comunitária do pai, a Sousense FM. De post em post, conta ter faturado em novembro 2 204 dólares (cerca de 7 200 reais). “Trabalho de domingo a domingo, de manhã até a noite.”
De Palmeiras de Goiás, Junior Cesar Garcia da Silva, de 25 anos, afirma operar sozinho o Revolta Brasil nas horas livres dos estudos para concurso público. Ele criou a página durante as manifestações que tomaram o país em junho de 2013. Ganha até 1 500 reais mensais e gasta 20% disso com provedor de internet. “Às vezes eu ‘sensacionalizo’ um assunto para que as pessoas tenham interesse em ler”, admite. Uma das pérolas: o deputado federal Jair Bolsonaro, do PP, teria sido considerado o político mais honesto do mundo — notícia falsa, mas que reverberou graças aos entusiastas do parlamentar. “Muitos textos são cuidadosamente redigidos para ter apelo entre grupos específicos, que compartilham um determinado sentimento sobre aquele assunto”, explica Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro. Pela mesma lógica, os haters de Bolsonaro foram contemplados pelo Folha Política com o título “Bolsonaro é citado na Lava-Jato”, informação igualmente sem pé nem cabeça. No site Registro.br, o tal Folha aparece em nome de Gabriel Rodrigues Rossi, que mora em Cariacica, no Espírito Santo. Por telefone, ele afirmou ter sido apenas o designer do portal. Após o contato de VEJA, na segunda-feira 19, porém, o endereço sumiu do ar e Rossi não atendeu mais os telefonemas da reportagem.
Nos Estados Unidos, o Google é, ao lado do Facebook, alvo de críticas por reverberar os boatos de fundo de quintal sem restrições eficazes. O primeiro anunciou estar refinando seu algoritmo para que as mentiras não fiquem bem ranqueadas em suas buscas e promete retirar anúncios dos Pinóquios virtuais. A rede de Mark Zuckerberg contratou jornalistas como checadores. O tema ganha importância crescente no país, em especial depois da vitória presidencial de Donald Trump sobre Hillary Clinton. A democrata se tornou alvo de manchetes mal-intencionadas, que, para analistas, colaboraram para sua derrota. De acordo com uma delas, Hillary lideraria esquema de prostituição infantil nos fundos da pizzaria Comet Ping Pong, em Washington. Não são, porém, somente ingênuos eleitores do Texas que caem nesse tipo de peça. Na véspera do Natal, o ministro de Defesa do Paquistão leu em um site chamado Awd News que Israel ameaçava seu país. Sem perceber que se tratava de uma bobagem, reagiu com fúria no Twitter, lembrando que o Paquistão é uma potência nuclear. A brincadeira, como se vê, ficou perigosa.
VEJA encontrou ao menos dois representantes desse meio que trabalham em governos municipal e estadual, mas em nenhum dos casos identificou indícios de que a atividade envolvesse interesses partidários. Como publicam e espalham o que veem pela frente, porém, acabam se tornando bons disseminadores para grupos políticos ou empresariais que desejam difamar seus concorrentes sem sujar as mãos. É muito bom que todos os brasileiros possam ter voz na rede mesmo sem grandes recursos. Mas é péssimo que a falta de controle contra as enganações acabe fazendo de cada um desses usuários um trouxa em potencial.
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