Chega de dancinhas: a nova rede social do brasileiro que criou o Instagram
A Artifact valoriza conteúdos de qualidade e por escrito
Quais são os ingredientes para uma rede social de sucesso? Vídeos de dancinhas e de pets fofos, fotos invejáveis, espaço para polêmicas e interação entre amigos e desconhecidos são componentes que certamente ajudam as plataformas a deslanchar. Nem todos, contudo, pensam assim. O brasileiro Mike Krieger e o americano Kevin Systrom têm uma nova sugestão que contraria as tendências atuais. Os criadores do Instagram — sim, ambos fundaram uma rede que, em essência, estimula o culto à imagem — acreditam agora que o futuro dos aplicativos é, na verdade, um velho conhecido: a informação de qualidade.
Os dois se juntaram para criar o Artifact, plataforma que consiste em um feed de notícias e textos selecionados por inteligência artificial (IA). O nome vem da junção em inglês das palavras “artigo”e “fato”, o que revela as intenções dos idealizadores do projeto. Anunciado há alguns dias, o aplicativo tem milhares de downloads na App Store e, suprema ironia, se inspira no algoritmo do TikTok, rede que se notabiliza pelos vídeos efêmeros e descartáveis. Por esse motivo, uma das analogias para compreender a nova empreitada tecnológica é justamente a do “TikTok de textos”.
O Artifact elimina as brincadeiras superficiais, sucessos na rede vizinha, e vai na direção oposta ao oferecer os melhores artigos disponíveis na internet. A página inicial sugere reportagens e textos oriundos de veículos selecionados. A seleção é ampla, podendo ir de grandes revistas e jornais a blogs de nicho. Assim como no TikTok, ao interagir com o texto a IA identifica os temas mais interessantes para o perfil do usuário e então passa a sugerir publicações similares.
Nas próximas versões, é possível que o aplicativo inclua um rol de artigos compartilhados por perfis que o usuário siga e uma caixa de mensagens privadas, o famoso direct, onde ele poderá discutir os temas abordados privadamente. Ainda não é permitida a publicação de textos sem link, como ocorre no Twitter. Embora esteja disponível nas lojas dos sistemas Android e iOS, a conclusão do cadastro depende de convite. Para obtê-lo, os interessados se inscrevem em uma lista de espera.
Krieger e Systrom se conheceram na Universidade Stanford, onde estudavam ciência da computação. A amizade levou à criação de uma rede social que depois viraria o Instagram, em 2010. Dois anos depois, venderam a plataforma por 1 bilhão de dólares para o Facebook de Mark Zuckerberg. Desde então, saíram dos holofotes. Pouco afeito a entrevistas, o paulista Krieger é um dos grandes nomes da nova era dos empreendedores digitais. Por isso os concorrentes estão atentos ao seu novo movimento — é bom não duvidar quando alguém tem no currículo a criação de uma ferramenta global como o Instagram.
A nova aposta do brasileiro e de seu sócio é ousada para os tempos de império dos vídeos. Diante da disseminação de fake news, eles acham que, num movimento de reação, as pessoas deverão valorizar novamente um bem precioso que foi atacado nos últimos anos pelas redes sociais: o conteúdo de qualidade e por escrito, que VEJA preza e pratica, e do qual não abre mão. De fato, o avanço das tecnologias de IA, que permitem a criação de algoritmos mais complexos e completos — como o que está por trás da ferramenta que escreve textos ChatGPT —, torna iniciativas como essas cada vez mais palpáveis.
A deterioração do Twitter, envolto em polêmicas desde que foi assumido pelo bilionário Elon Musk, abre caminho para que novas experiências centradas na interação por texto se tornem competitivas. Para assumir esse vácuo, o Artifact terá de ser muito mais que um meio para o compartilhamento de textos e oferecer interações rápidas e dinâmicas que fizeram do Twitter um sucesso da instantaneidade. Por enquanto, Krieger e Systrom financiam o Artifact com dinheiro do próprio bolso. Entre os integrantes da equipe contratada está Robby Stein, executivo de produtos do Instagram entre 2016 e 2021 e um dos responsáveis por tornar a plataforma um sucesso planetário. Será que o futuro das redes sociais virá em forma de texto? A resposta pode estar na loja de aplicativos mais próxima.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828