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Brasil tem papel fundamental em livro sobre Elon Musk e a rede X; leia trecho

Escrito pelos jornalistas Kate Conger e Ryan Mac, 'Limite de Caracteres', da Todavia, mostra como antigo Twitter se degradou nas mãos do bilionário

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 out 2024, 17h32 - Publicado em 8 out 2024, 11h40

É um trabalho em desenvolvimento — de destruição pontual. Desde que Elon Musk comprou o Twitter por 44 bilhões de dólares, em outubro de 2022, a rede social do passarinho azul passou por transformações profundas. Primeiro, foi rebatizada de X; depois, teve reinserções de perfis banidos por espalhar discursos de ódio e notícias falsas; mais adiante, criou problemas com governos de diversos países (incluindo o do Brasil) por ignorar determinações judiciais para fechar contas consideradas criminosas.

+ Leia mais: Gênio indomável: as revelações da mais abrangente biografia de Elon Musk

O antigo Twitter foi de “praça pública digital”, na qual se valorizava a liberdade de expressão, a um campo de batalha virtual, em que o vale-tudo sem mediação criou um ambiente altamente tóxico. O bilionário, considerado o homem mais rico do mundo, ainda não destruiu completamente a plataforma, mas, de acordo com os jornalistas americanos Kate Conger e Ryan Mac, que cobrem a área de tecnologia para o The New York Times, ele está no caminho certo para realizar a façanha de afundar seu brinquedinho caro.

Conger e Mac são os autores de Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter, lançado na semana passada pela editora Todavia no Brasil. Os repórteres passaram anos apurando as histórias que, unidas, mostram como Musk se apaixonou pela ideia de adquirir o Twitter. Começam na criação da plataforma como um microblogue por Jack Dorsey e sua turma e terminam em março deste ano, quando, em meio a muitas reestruturações, o bilionário anunciou planos para novos recursos, como o sistema de selo de verificação no perfil baseado em assinaturas.

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LIMITE DE CARACTERES, de Kate Conger e Ryan Mac; Todavia Editora; Tradução de Bruno Mattos, Christian Schwartz, Marcela Lanius e Mariana Delfini; 488 págs.; R$ 109,90 e 79,90 (e-book) – (Todavia/Reprodução)

Cem pessoas

Para escrever o livro, os jornalistas americanos decuparam mais de 150 horas de conversas com mais de cem pessoas. “Tivemos acesso a vários funcionários após demissões no Twitter”, disse Mac. “No entanto, obter insights sobre reuniões privadas com Elon Musk e altos executivos provou ser difícil. Muitas vezes, requer tempo e construção de confiança para que as fontes se abram.”

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O próprio Musk se mostrou refratário, tanto a falar com os autores quanto com o resultado final. “Entramos em contato várias vezes para saber sua opinião, mas não recebemos resposta”, disse Conger, com um leve esgar. “Após o lançamento do livro, ele reagiu brevemente no Twitter com emojis irônicos, indicando que ele pode não estar satisfeito com a forma como o retratamos.”

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APURAÇÃO Os jornalistas americanos Kate Conger e Ryan Mac, autores de ‘Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter’ (Todavia) – (Todavia/Divulgação)

O caso do Brasil

Toda a diatribe com o Brasil, com o governo federal e o STF está incluída em Limite de Caracteres. Os autores mantiveram a maior parte do que escreveram sobre o país porque viam como um paralelo ao que pode acontecer nos EUA. “O Twitter é uma plataforma global e queríamos mostrar sua importância em países do mundo todo”, disse Mac, em entrevista por vídeo a VEJA. “O Brasil serviu como um estudo de caso interessante, especialmente em relação às decisões de moderação de conteúdo durante as eleições e incidentes como a invasão de prédios do governo.”

O coautor do livro se refere aos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando uma multidão invadiu a Praça dos Três Poderes, em Brasília, após as eleições presidenciais e a posse de Lula como presidente. Insuflada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, candidato derrotado nas urnas, e por seus seguidores nas redes sociais, a turba cometeu uma série de vandalismos, invasões e depredações de edifícios do governo federal, forçando a entrada, primeiramente, no Congresso Nacional e, depois, no Palácio da Alvorada e no Supremo Tribunal Federal (STF).

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Na época, as comparações com o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, ocorrido antes em Washington, no dia 6 de janeiro de 2021, não tardaram a surgir. Na ocasião, uma turba de partidários do então presidente Donald Trump, do Partido Republicano, forçou sua entrada na sede do Congresso americano após um comício do líder, na tentativa de impedir a certificação dos resultados da eleição – que ele perdeu para o democrata Joe Biden – pelo Legislativo.

Retrospecto da disputa

Por aqui, a situação se agravou em agosto, quando o X se recusou a cumprir uma determinação para que bloqueasse o perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e outros alvos de inquéritos no Supremo. No dia 13, o político foi alvo de medidas cautelares determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito das investigações sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Logo depois, Musk anunciou que não cumpriria decisões do tribunal, incluindo a nomeação de um representante legal no Brasil, e ameaçou encerrar suas operações no país. Moraes ordenou, então, o bloqueio da rede social até que as determinações fossem respeitadas.

Depois, Moraes bloqueou 18,3 milhões de reais das contas do X e da Starlink, outra empresa de Musk, como parte das sanções pelo descumprimento das ordens judiciais. Em setembro, a empresa foi multada em mais 10 milhões de reais por uma suposta manobra para burlar o bloqueio imposto pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Além disso, Moraes determinou uma multa de 300 mil reais à representante legal do X no Brasil por desobediência judicial. Na segunda-feira, 7, a Caixa Econômica Federal transferiu 28,6 milhões de reais em multas para o Banco do Brasil (BB), seguindo determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por enquanto, o compasso é de espera. Para Conger, parece que Musk está preocupado com o impacto em seus outros negócios, como a Starlink. “Há uma possibilidade de multas serem impostas à Starlink ou até mesmo a apreensão de estações da empresa pelo governo brasileiro”, explicou ela. “Essa situação não se alinha com a narrativa usual de Musk de ser um defensor da liberdade de expressão, ao contrário de sua recente vitória contra solicitações de moderação de conteúdo na Austrália. Além disso, Musk deseja manter sua imagem de herói nessas situações, e perder uma luta no Brasil enfraquece essa narrativa.”

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Como será o futuro?

A relação dos governos nacionais com as empresas de tecnologia, em especial com as big techs americanas, está mudando rapidamente, o que pode ter um impacto no valor de mercado delas. “Muitos governos, incluindo o do Brasil, estão se tornando mais agressivos em suas ações de execução”, aponta Conger. “Eles estão resistindo à ideia de que essas empresas podem operar sem responsabilidade perante as leis locais. Há uma frustração crescente com empresas de tecnologia, que muitas vezes se veem como não responsáveis ​​perante os mercados internacionais onde operam.”

Ainda assim, o cenário das mídias sociais, tanto nos EUA quanto no Brasil e em outros países, está evoluindo, com várias plataformas competindo pela atenção dos usuários. “O futuro provavelmente verá mais competição entre plataformas como Threads, Blue Sky e outras, à medida que elas inovam e se adaptam às necessidades do usuário”, prevê Mac. “A direção que o X tomará dependerá de quão efetivamente ele pode navegar pelos desafios regulatórios e expectativas do usuário daqui para frente.”

O caso do Twitter — convertido em X por Elon Musk — tem contornos mais dramáticos, pela ascensão como rede social influente e pela queda abrupta sofrida nas mãos de seu atual dono. “As redes sociais podem levar muito tempo para decair, mas o X pode se tornar menos ativo com o tempo se mais usuários migrarem para outras plataformas”, diz Conger. “Ainda não chegamos lá, mas pode acabar parecendo uma cidade-fantasma se a tendência continuar.”

LEIA TRECHO EXCLUSIVO: Verificado ou não

Para Esther Grawford, o Twitter Blue representava uma oportunidade. Em privado, ela disse aos colegas de projeto que a ideia de vender contas verificadas tinha pouca chance de sucesso. Ao mesmo tempo, a empreitada era uma chance de impressionar Musk e conquistar influência, Os fãs e testas de ferro de Musk haviam detonado a empresa, alegando que o quadro de funcionários era inchado e preguiçoso.

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“É a nossa chance de mostrar o que o Twitter tem de melhor”, ela disse a sua equipe. Também era uma chance de ganhar créditos com Musk. Se conseguissem cumprir a tarefa em tempo, ela sugeriu, ganhariam a confiança dele e poderiam negociar qualquer coisa: aumentos, cargos, novos produtos.

Embora percebesse as vantagens de cair nas graças de Musk, Crawford também sabia que a solicitação para que lançassem um produto sob medida em menos de duas semanas e durante uma onda de demissões era absurda. Em uma reunião do grupo, ela deu de presente à equipe canecas personalizadas que poderiam muito bem ser vendidas em lojas temáticas de tecnologia. Elas tinham os dizeres: “O acaso nos fez colegas, a psicopatia nos tornou tweeps”.

A depender do interlocutor, Crawford era descrita como fiel seguidora de Musk ou uma simples carreirista. Fosse qual fosse o caso, ela não era a única. Havia fãs do bilionário em todos os cantos, e alguns saíram do armário logo depois da aquisição, quando começaram a comemorar a mudança de dono e a criticar colegas recém-demitidos. Após o estalo, uma atmosfera de autopreservação pairava pesada sobre o Twitter. Uma engenheira que estava desesperada para manter o plano de saúde criticava Musk diante dos colegas em um ambiente privado, mas o exaltava nos canais públicos do Slack, alegando que “Elon é o Steve Jobs de que precisamos”. Outros achavam que o turbilhão de Musk poderia ser uma oportunidade de promoção ou mudança de cargo impensável na antiga estrutura do Twitter.

A maioria dos funcionários que Crawford levou para a equipe do Blue Verified passou a encarar o projeto como, na melhor das hipóteses, sem sentido, e, na pior, algo com potencial para sabotar drasticamente a confiança na plataforma. Para eles, a venda dos selos disseminaria fraudes e acabaria com o propósito das contas verificadas. Crawford compartilhava essa preocupação, mas era o que Musk queria. Não havia raciocínio ou aprendizado anterior do Twitter capaz de fazê-lo mudar de ideia.

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