“Digamos primeiro o que não é uma startup: um grupinho de garotos, mais ou menos geniais, tentando criar um novo site numa garagem ou num alojamento de estudantes. Uma startup é uma empresa. Mas é um tipo especial de empresa. Mas de um tipo especial. As ferramentas tradicionais de planejamento e controle não funcionam adequadamente quando aplicadas a ela. Pior ainda, podem matá-la” ERIC RIES, autor de ‘A Startup Enxuta’
O americano Eric Ries, de 32 anos, fundou sua primeira empresa online quando ainda estudava ciência da computação na Universidade Yale. A experiência teve vida curta, mas Ries logo se envolveu em outra aventura, a criação de uma rede social onde as pessoas interagem por meio de avatares. Essa trajetória de empreendedor, hoje típica de um sem número de jovens americanos apaixonados por tecnologia, começou a sofrer um desvio em 2008, quando ele passou a dirigir a maior parte de seu tempo à análise dessas pequenas empresas dedicadas à inovação, as chamadas startups. Ele focou sua atenção nos métodos de gerenciamento mais adequados a esse tipo de iniciativa – aqueles que põem ênfase sobretudo no aprendizado e na flexibilidade – e propôs um modelo, batizado de “Startup Enxuta”. A ideia se propagou com força no Vale do Silício, onde Ries foi catapultado à condição de estrela. No final de 2011, ele registrou seu evangelho nas páginas do livro A Startup Enxuta, que imediatamente chegou às listas de mais vendidos das principais publicações sobre negócios, e que foi lançado há pouco no Brasil (editora Leya, 288 páginas, 39,90 reais). Em conversa com o site de VEJA, ele apresenta sua resposta à pergunta de um milhão (ou bilhão) de dólares: como transformar uma ideia inovadora em um negócio sólido? O que é uma startup? Digamos primeiro o que ela não é: um grupinho de garotos, mais ou menos geniais, tentando criar um novo site numa garagem ou num alojamento de estudantes. O filme A Rede Social, sobre a criação do Facebook, é muito estimulante, mas não traz ajuda prática a quem deseja empreender. Uma startup é uma empresa. Mas é um tipo especial de empresa. As ferramentas tradicionais de planetamento e controle não funcionam adequadamente quando aplicadas a ela. Pior ainda, podem matá-la. Eis minha definição: uma startup é uma instituição destinada a criar novos produtos e serviços em situações de extrema incerteza. Acredito que ela é útil porque ressalta uma diferença essencial entre empresas que operam em condições de relativa estabilidade e empresas que operam em mercados incipientes, ou que ainda nem sequer foram desenhados. Essas últimas, as que vivem na incerteza, são as startups. A segunda utilidade da definição é apontar um objetivo aos aspirantes: não apenas criar um serviço, não apenas criar um produto, mas criar uma organização. Para isso, é preciso gerenciamento. Parece tedioso? Juro que não é. Por que a startup deve ser “enxuta”? Dos métodos de gerenciamento do século XX, aquele que a meu ver foi o mais bem sucedido foi o da “linha de produção enxuta”. Ele nasceu na Toyota e, ao longo das décadas, permitiu que essa companhia japonesa ocupasse um lugar dominante entre as montadoras de automóveis. Eu me inspiro nesse exemplo, mas é preciso adaptar seus elementos ao mundo do empreendedorismo atual. Falamos em startups enxutas porque queremos eliminar atividades supérfluas e canalizar toda nossa energia para a criação de valor. Numa startup, no entanto, não é claro qual o valor que desejamos criar. Em geral, startups estão em busca da inovação, de criar algo que não existia. Suponha que você gaste muito tempo e muito dinheiro para criar um produto que, depois, ficará claro que ninguém deseja. Isso é frequente – e situações como essa demonstram que o investimento inicial em melhorias, antes mesmo de saber se existia um mercado para o seu produto, foi um desperdício. O que defendo é que aprender a construir um negócio viável é o valor mais importante numa startup. O objetivo, portanto, é eliminar todas as “distrações” que impedem que ocorra esse aprendizado. As práticas de uma startup podem ser empregadas numa grande empresa? A maior parte do trabalho de uma grande empresa não inclui inovação. Boa parte das incertezas já foi eliminada: você conhece o mercado, os competidores, os clientes. O problema é que mesmo empresas muito bem estabelecidas têm se deparado com circunstâncias desconhecidas, por causa, por exemplo, das mudanças tecnológicas. Assim, grandes empresas que desejam sobreviver e prosperar neste século devem ser capazes, em alguma medida, de investir no empreendedorismo. Elas têm de fazer as duas coisas ao mesmo tempo: contar com executivos que saibam fazer o trabalho tradicional e com outros que saibam lidar com inovação. Qual o maior obstáculo para que uma grande empresa faça também o trabalho de uma startup? Em geral, quando uma empresa estabelecida decide que está na hora de inovar, o presidente olha em volta e se pergunta, “Quem aqui daria um bom empreendedor?”. Às vezes ele contrata alguém de fora e espera que essa pessoa mude a cultura que já existe ali há anos. Ele põe os “inovadores” num prédio separado. E assim por diante. Um ano mais tarde dinheiro foi gasto, todo mundo está correndo, e o chefe está irritado, porque o negócio de um bilhão de dólares não se materializou. Aquele a quem foi entregue a missão de inovar sempre diz a mesma coisa: “É verdade, não chegamos lá, mas aprendemos muitas coisas úteis. Dê-me mais um ano e um pouco mais de recursos que chegaremos lá.” Nesse instante ele é demitido, porque é isso que os executivos foram treinados para fazer em situações desse tipo. Por isso, é preciso criar um sistema alternativo, que permita ao empreendedor usar processos e medidas de sucesso diferentes dos tradicionais, desenvolver uma cultura de inovação e identificar as pessoas que melhor se adaptam a ela. Na maioria das companhias onde trabalhei tentando implementar essa lógica, as grandes revelações acabaram sendo empregados antigos, e não gente vinda de fora. Aprendizado é uma palavra-chave no seu modelo. Como diferenciar o aprendizado verdadeiro do lero-lero? É preciso exigir provas concretas do avanço, e não apenas uma boa história. É preciso criar uma “contabilidade da inovação”. Suponha que criamos a primeira versão de um produto, que o mostramos aos consumidores e que obtivemos uma taxa de 10% de conversão. O plano de negócios, no entanto, indica que apenas uma taxa de conversão de 25% tornará o produto viável. Ainda estamos longe disso. Então eu volto à prancheta, faço algumas melhorias e consigo uma taxa de 12%. Depois 14%. E depois 20%. O que podemos dizer com segurança? Que eu aprendi alguma coisa sobre aquele produto. Que encontrei um caminho para fazer com que os consumidores o apreciem mais. Ainda não alcancei a meta, mas posso mostrar meu progresso. Chamo isso de aprendizado validado. Você é um grande crítico de quem se lança ao empreendedorismo sem qualquer planejamento. Mas há histórias de sucesso desse tipo. Não há virtude em simplesmente fazer? Fazer é melhor do que não fazer. Fracassar é melhor do que ficar paralisado. E, como você observou, muita gente simplesmente sai por aí empreendendo, sem muita noção de aonde quer chegar, e alcança um sucesso estrondoso. Acontece. O problema é que existe um número ainda maior de pessoas que se atiram num negócio e fracassam. E então? O que vem em seguida? É muito fácil ficar perdido e começar a andar em círculos. Por isso defendo uma abordagem mais metódica, e menos romântica do empreendedorismo. Digamos que é mais responsável. Se um governo deseja estimular o surgimento de empresas de inovação, quais políticas deve adotar? Eu acredito que o empreendedorismo é um impulso natural da nossa espécie. Mas vivemos numa sociedade complexa, em que nossos impulsos são fortalecidos ou sufocados por escolhas políticas e institucionais que fazemos. Por isso certos períodos e certos lugares criaram condições mais favoráveis ao surgimento de empresas inovadoras. Todo político que deseja estimular o crescimento econômico tem de estudar essas condições, pois, em última análise, startups são o motor para a criação de empregos em sociedades como as nossas. Esse é um fenômeno bem estudado e, entre as condições essenciais encontram-se sistemas educacionais fortes e a presença de capital de risco disposto a financiar a experimentação das startups. O curioso, no entanto, é que se você olhar a história da inovação nos Estados Unidos, percebe que a meca atual da inovação, o Vale do Silício, na Califórnia, ocupava na verdade uma segunda posição distante como pólo de empreendedorismo nas décadas de 40 e 50, em relação a Boston. As duas regiões competiam e Boston tinha todas as vantagens objetivas. Tinha mais universidades de ponta, como Harvard, MIT e Yale, contra Stanford no Vale. Tinha mais dinheiro, porque o Departamento de Defesa despejava fundos em empresas daquela vizinhança. No entanto, foi o Vale do Silício que saiu vencedor da disputa. E isso ocorreu porque alguns fatores culturais são tão importantes neste caso quanto os fatores objetivos. Todas as pesquisas sobre ecossistemas de startups apontam para isso. Assim, como norma, a abertura para gente de fora e a valorização da pluralidade são cruciais para que um ambiente de inovação desabroche. Eu diria, portanto, que zelar pelos valores democráticos é também fundamental para fomentar a inovação em um país. Qual seu conselho para aqueles que tentam fundar uma startup no Brasil? Não me arrisco a dizer muita coisa sem conhecer o país. O que posso dizer, em termos gerais, é que nem tudo é “portátil” no mundo de hoje. Sim, vivemos num mundo cada vez mais conectado. Quem está no Brasil pode vender nos Estados Unidos ou na Finlândia, e assim por diante. Mas a compreensão do consumidor, isso é algo que precisa ser feito in loco. Assim, para muitos empreendimentos que buscam a inovação, pode ser mais eficaz trabalhar com uma clientela pequena e local – desde que ela lhe proporcione um máximo de conhecimento e informação. O outro problema é que o Vale do Silício é muito suscetível a modas. Deve haver umas mil cópias do Instagram tentado se tornar viáveis nesta vizinhança neste exato momento. Por isso, a outra vantagem de estar num lugar como o Brasil é ver o mundo com um olhar mais livre. Usem isso a favor de vocês. Qual o valor de livros de aconselhamento empresarial como o seu? Eles não substituem a experiência e a reflexão própria diante de desafios específicos, enfrentados aqui e agora. Seja qual for o guru a quem você recorrer, ele sempre vai lhe dizer alguma coisa do tipo “Eu fiz X, e fiquei rico. Faça como eu e você poderá ter o mesmo resultado.” Essa é uma falácia, por vários motivos. O guru pode estar mentindo. Pode ser que “x” não tenha nada a ver com o seu enriquecimento. As condições do passado provavelmente já não serão as do presente. O que funciona para um setor da economia raramente funciona em outros. E assim por diante. Quando as pessoas são ricas e bem sucedidas, elas não precisam justificar seus conselhos… Mas quem lê esses conselhos tem de pô-los a prova. É preciso conferir se aquelas ideias são válidas para você, e para o ambiente onde você vive.