Mirian Revers Biasão, psiquiatra e docente da Escola Internacional de Desenvolvimento (EID), recentemente teve um artigo publicado na revista científica Scientific Report, uma das publicações da Nature. O estudo tratava do diagnóstico de autismo com a ajuda do rastreamento dos movimentos oculares do paciente por computadores, baseado em modelos de atenção visual, o que pode representar um grande passo para a psiquiatria.
VEJA conversou com Mirian sobre a pesquisa e a influência da tecnologia na medicina ligada à saúde mental.
Qual a importância do possível uso da tecnologia no diagnóstico do autismo?
O diagnóstico do autismo é feito clinicamente, ou seja, depende do treinamento do avaliador, o que é um problema. Consequentemente, ficamos na dependência de profissionais muito bem treinados, o que nem sempre é o caso. O espectro autista comporta uma variedade enorme de comportamentos, então acertar o diagnóstico 100% das vezes é difícil até para quem é muito bem treinado. Por isso, ter um recurso que ajude nesse processo torna muito mais fácil entregar um diagnóstico correto.
Como a tecnologia, a exemplo dos computadores, tem ajudado a psiquiatria e os diagnósticos?
A tecnologia tem sido essencial, uma grande aliada. Um dos nichos da pesquisa ligada ao autismo tem como objetivo identificar os subtipos de autismo para que saibamos quais as terapias mais adequadas. Entretanto, encontrar esses subtipos em uma população heterogênea é muito complexo e envolve uma quantidade enorme de dados. Analisar essas informações rapidamente é algo que seria praticamente impossível de fazermos sozinhos, mas que os computadores fazem muito bem. Um bom exemplo é a análise de eletroencefalogramas. A olho nu, é difícil enxergar padrões ligados ao autismo nesses exames. Porém, softwares o fazem de modo rápido e preciso.
De que outras formas a tecnologia pode ajudar pessoas com autismo?
Um dos principais modos é por meio da comunicação alternativa. Há aplicativos que fornecem figuras e escrita que ajudam o paciente a se comunicar. Alguns apps também produzem sons ligados às palavras escolhidas, o que estimula a fala do autista. Há algum tempo, as pessoas com autismo andavam com pastinhas cheias de figuras de velcro para ajudá-las a se comunicar. Agora, basta ter um celular. Outro tipo de aplicativo muito útil para autista é o de encontros. Por meio deles, é possível pensar acerca de uma interação, conhecer indivíduos com interesses parecidos – o que são fatores facilitadores para autistas. No futuro, haverá ainda mais facilitadores, como apps que ajudam com questões sensoriais, que frequentemente são problemáticas para esses pacientes. Por exemplo, um aplicativo que ajude com o excesso de sons e barulhos pode ser muito interessante.
Qual a maior dificuldade em relação à pesquisa do autismo hoje em dia?
Há muitos adultos autistas que nunca foram diagnosticados e receberam, ao longo da vida, rótulos de estranhos, chatos, sistemáticos. Com o diagnóstico correto, seria possível abrir mão dos rótulos pejorativos e rumar ao tratamento. A tecnologia pode ajudar nisso. Essas pessoas precisaram desenvolver comportamentos específicos para viver em sociedade, o que acaba mascarando os sintomas de autismo, o que complica sua identificação. Além disso, precisamos de mais gente atendendo adultos. Qualquer aumento do número de exames ou profissionais focando em adultos autistas já seria de grande ajuda.