Na mitologia nórdica, base da cultura dos povos escandinavos, uma colossal árvore chamada Yggdrasil sustentava nove mundos que formavam o universo. Midgard (o reino dos humanos) e Asgard (o reino de Odin, o Deus Supremo, e de Frigga, a Deusa da Fertilidade) eram conectados por uma ponte, a Bifrost. Valhala, também conhecida como Salão dos Mortos, era o local para onde os deuses eram enviados após padecerem de forma honrosa em batalhas — na crença de países como Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia os entes divinos não eram imortais. A temática viking, com seus guerreiros barbados, gigantes de gelo e fogo, anões, serpentes e outros seres fantásticos, jamais saiu de moda, seja no cinema e na literatura, seja no ramo dos games, com títulos de sucesso como God of War e Assassin’s Creed: Valhalla. Em 2021, um novo jogo de computador alçou o gênero ao topo do mercado de maneira surpreendente: é o Valheim, que vendeu inesperados 6 milhões de cópias em pouco mais de dois meses.
Valheim é apresentado como o décimo mundo nórdico, repleto de criaturas do folclore local. É um jogo do gênero de sobrevivência, modalidade que está no topo da preferência do público jovem. No game, uma câmera sobrevoa o personagem e o acompanha em sua jornada de força e sabedoria. De picos nevados a pântanos profundos, os usuários devem enfrentar a hostilidade dos inimigos em cinco biomas. No fim, o objetivo é provar ser digno de se juntar aos deuses nos salões de Valhala.
Disponível para PC, Valheim vem superando a concorrência a cada semana (veja no quadro). O que torna o sucesso ainda mais fascinante são as suas supostas desvantagens em relação às franquias bilionárias, sustentadas por campanhas de marketing e estratégias comerciais agressivas. Lançado em 2 de fevereiro deste ano, ainda em formato de acesso antecipado (ou seja, passará por alterações até chegar a uma versão final), Valheim foi desenvolvido por uma equipe de apenas cinco funcionários da Iron Gate Studio, uma pequena empresa com sede na gelada e rural cidade sueca de Skövde, com pouco mais de 38 000 habitantes. Segundo seus criadores, atingiu em dois meses as expectativas para três anos. “Estávamos confiantes, mas não tanto, é realmente impressionante”, disse o CEO, Richard Svensson, a VEJA. O plano agora é aumentar a equipe e lançar quatro atualizações gratuitas até o fim do ano.
Valheim é, portanto, uma exceção à regra, mas seu êxito tem explicação. Além do apelo natural da temática nórdica, o game apresenta gráficos simples e agradáveis e aposta em elementos de RPG, formato no qual a prática leva à perfeição. Aos poucos, o guerreiro descobre como produzir martelos, espadas e outras armas e as melhores formas de obter alimento e pedras preciosas. Quanto mais nadar ou correr, maior será a sua resistência. Outros aspectos elogiados são a complexidade das batalhas e as possibilidades de cooperação. “Valheim não é enjoativo e se torna mais divertido quando jogado em grupo”, afirma o catarinense Ramiro Schubert Junior, que promove lives sobre o game em seus canais no YouTube e na Twitch. “Fica mais fácil jogar dividindo tarefas: enquanto um participante enfrentas batalhas, o outro vai buscar comida, por exemplo.” O clima de coletividade também se espalha pelas comunidades brasileiras do jogo, nas quais é comum que integrantes realizem vaquinhas para ajudar os interessados que não têm condição financeira de adquirir o game. Odin ficaria orgulhoso.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733