Com uma tecnologia de partículas que “imitam” o vírus, formalmente chamadas de VLPs (do inglês virus-like particles), o Instituto Butantan vai retomar os testes pré-clíncos de uma possível e inédita vacina contra o zika vírus (ZIKV) para gestantes.
Os testes com animais devem começar em agosto de 2024, e tendo a eficiência comprovada, partirá para os estudos em humanos em 2026. Caso seja aprovada para uso, será a primeira vacina no mundo contra a Zika, doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti e que tem como principal impacto a microcefalia (malformação do cérebro), que acomete recém-nascidos de mães que foram infectadas durante a gestação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem registros de circulação do vírus em 89 países. No Brasil, o Zika foi responsável por 50% das 3,7 mil infecções congênitas (transmitidas da mãe para o bebê) confirmadas entre 2015 e 2022, de acordo com o Ministério da Saúde.
Os pesquisadores têm se dedicado ao estudo da vacina desde 2015, quando o Brasil enfrentou uma epidemia do vírus. “Nós temos o protótipo inicial que poderá ser produzido em condições de Boas Práticas de Fabricação. Estamos trabalhando no refinamento da formulação para caminhar para os ensaios pré-clínicos”, afirmou Renato Mancini Astray, diretor do Laboratório Multipropósito do Instituto Butantan e um dos responsáveis pelo projeto.
O foco da vacina é protejer gestantes contra o patógeno e, consequentemente, os fetos da Síndrome da Zika Congênita (SZC). `Para a população geral, a doença costuma ser mais leve, com 80% dos contaminados assintomáticos. “Como o principal público-alvo seriam mulheres grávidas, a vacina contra Zika precisa ter um perfil de segurança muito alto. A confiabilidade desses processos é grande, tanto em termos científicos como no aspecto regulatório”, aponta o pesquisador.
Tecnologia que “engana” o organismo
Diferente de vacinas inativadas ou atenuadas, as VLPs não utilizam o vírus inteiro e não contêm material genético viral, somente fragmentos de proteínas, como é detalhado no estudo publicado na Frontiers in Pharmacology. Assim, se agrupam e formam uma partícula semelhante ao vírus que “engana” o organismo, ativando a resposta imune.
As partículas foram produzidas em células de inseto, utilizando um baculovírus recombinante que carrega informações genéticas do Zika (e não infecta humanos). Na cultura celular de insetos, ambos se multiplicam. “Formam-se dois lotes: baculovírus modificados e VLPs de Zika, que nós conseguimos separar para obter somente as VLPs purificadas”, explica Soraia Jorge, diretora do Laboratório de Biotecnologia Viral do Butantan, que coordenou o estudo.
Nesse momento, as VLPs estão prontas para serem testadas em animais para avaliar a segurança e imunogenicidade (capacidade de provocar resposta imune). Os testes pré-clínicos conduzidos em outros países já demonstraram que partículas semelhantes ao Zika são imunogênicas, então a expectativa é que os resultados sejam positivos.
Além de ser segura e comprovadamente eficaz, a plataforma estudada há décadas pode ser aplicada no desenvolvimento de outras vacinas. “Podemos usar esse mesmo sistema de células de inseto em qualquer vírus semelhante ao Zika, como febre amarela e dengue, que são outros arbovírus. Temos estrutura e know-how para isso”, destaca Soraia, que também desenvolve VLPs do vírus da raiva e do SARS-CoV-2 por meio de outros sistemas. “É possível produzir essas moléculas em bactérias, leveduras, plantas transgênicas e células de mamíferos e insetos.”