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“Vamos sair dessa”, diz a brasileira Mariângela Simão, da OMS

A médica de 64 anos lidera a batalha contra o novo coronavírus na organização

Por Mariângela Simão
Atualizado em 4 jun 2024, 14h19 - Publicado em 12 jun 2020, 06h00

Assumi em 2017 a área de acesso a medicamentos e vacinas da OMS, depois de quatro décadas dedicadas a políticas públicas de saúde. Trabalhando no combate à aids, vi de perto como a desigualdade social pode afetar o controle de uma doença tão cruel. Mas nunca estive na linha de frente de nada parecido com esta pandemia, que agora desembarca nos bolsões de pobreza. Desde 30 de janeiro, dia em que a OMS decretou situação global de emergência, vivo uma rotina ininterrupta de crises. À medida que uma é superada, logo aparece outra. Já nos primeiros dias, fiquei bastante apreensiva com a possibilidade de haver uma escassez mundial de remédios. A China, a maior fabricante do planeta, teve de interromper a produção. Agora o problema mudou: a Índia, exportadora de genéricos, entrou na pior fase do surto.

Estou na força-tarefa da busca por remédios e vacinas que vençam o vírus e, ao mesmo tempo, alerta para que estejam ao alcance de qualquer um. Como não há tempo a perder, vou diariamente à sede da OMS, em Genebra, mesmo sendo parte do grupo de risco. Meu trabalho é essencial. Para se ter uma noção do esforço coletivo em que a humanidade está mergulhada, o número de equipes de estudo voltadas para o alívio ou para a cura do novo coronavírus saltou de 200 para 500 em apenas dois meses. A ansiedade é grande na OMS. Há o risco de que novas medicações contra a Covid-19 sejam caras e inacessíveis às nações mais pobres. Já vi isso acontecer na Índia, onde a cólera é frequente. Lá, a vacina está disponível, mas o custo elevado exclui boa parte da população.

Fico permanentemente conectada com especialistas de trinta países. Além estar em rede com pesquisadores e autoridades, preciso conversar com as empresas, para que liberem suas patentes. Essa é a forma mais rápida de garantir o barateamento de remédios e outros tantos insumos. Dias atrás, fiquei preocupada quando soube que uma fabricante de máscaras estava acionando quem copiava seu modelo. Um equívoco evidente. A pandemia exige que mudemos nossa perspectiva. Pelas leis de mercado, quem paga mais leva vantagem. Mas esse é um vírus altamente contagioso e não vai respeitar fronteiras. Se uma única pessoa for deixada para trás, a doença voltará a se espalhar.

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Algumas drogas despertam nossa atenção na OMS, sobretudo o remdesivir, que acaba de ser aprovado pelos Estados Unidos. Pesquisas mostram que ele reduz de quinze para onze dias o tempo de internação de pacientes em estado grave. Já é um alívio. Quanto à cloroquina e à hidroxicloroquina, que tiveram grande repercussão no Brasil, ainda não temos dados robustos sobre seus efeitos, mas sabemos que podem provocar danos graves. Por isso, só devem ser administradas em ambiente controlado por médicos. A boa notícia é que a busca pela vacina caminha rapidamente: o tempo médio para chegar à aprovação é de sete a dez anos, mas, nesse caso, acreditamos que ficará disponível em um ano e meio (leia reportagem na pág. 66). Um recorde.

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Vivemos um momento-chave e não podemos nos perder. Há tempos observo um desdém pela ciência, que se expressa, por exemplo, nos movimentos antivacina. Não é só no Brasil — e deve ser banido. A pandemia deixou claro que governos que privilegiam as práticas científicas, como a Alemanha e a Suíça, estão indo melhor no combate à doença. Fico preocupada com fato de o Brasil falar em afrouxar a quarentena em plena curva de ascensão do vírus, com os casos se multiplicando diariamente. Diante de tudo, porém, estou otimista. Nunca vi tamanha colaboração entre os povos. Vamos sair dessa, não tenho dúvida alguma.

Depoimento dado a Ernesto Neves

Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691

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