Em termos de comportamento, o universo dos baby boomers, como são chamadas as pessoas nascidas após a II Guerra Mundial, parece outro planeta comparado ao dos millennials, a turma com idade entre 24 e 39 anos. No lugar dos guitar heroes, passaram a brilhar nos palcos os DJs e seus pickups. Saíram de cena os bólidos possantes e motos envenenadas, entraram em campo os aplicativos de transporte e as bicicletas. Os cigarros que compunham um figurino charmoso viraram sinônimo de péssimo gosto. Agora, os mais jovens podem brindar esse fosso geracional com drinques que contenham na receita xaropes, especiarias e energéticos, entre outros ingredientes. Esqueça dry martinis, mojitos e cosmopolitans: a onda virou “encher a cara” à base de misturas sem nenhuma gota de álcool. Sim, isso mesmo. Em vários bares nos Estados Unidos e na Europa, a happy hour já é movida a várias doses de sobriedade.
Chamada de mindful drinking, ou bebendo de forma consciente, em uma tradução livre, a tendência começa a chegar ao Brasil. Em um passado não muito distante, as cartas etílicas dos bons estabelecimentos daqui traziam escondidas uma ou outra opção sem álcool, em geral feitas de forma improvisada para atender um número residual de clientes. O negócio vem mudando a um ritmo veloz. Cada vez mais, os bartenders investem tempo e criatividade no desenvolvimento de drinques sem álcool. Um dos melhores bares de coquetéis de São Paulo, o Guilhotina Bar, oferece hoje quatro opções do tipo e cerca de dez com médio ou baixo teor alcoólico. “A ideia é disponibilizar alternativas para que as pessoas que não queiram ou não possam beber frequentem a casa e tenham a experiência de curtir o clima do bar”, afirma o bartender e proprietário Márcio Silva.
Vários estudos conseguiram quantificar essa mudança de comportamento. Nos Estados Unidos, uma pesquisa da Nielsen revelou que metade das pessoas com idade entre 21 e 34 anos está tentando beber menos. Na Austrália, a ingestão de álcool atingiu recentemente o seu ponto mais baixo desde o início dos anos 60. O declínio foi causado quase inteiramente pela redução do consumo entre jovens. Na Alemanha e na Inglaterra, países conhecidos pelo alto consumo de cerveja, houve uma diminuição drástica desse hábito no dia a dia dos adolescentes e dos jovens adultos. Por aqui, um levantamento realizado pela empresa de pesquisa de mercado Mintel, em 2018, mostrou que 35% dos millennials limitam a quantidade de álcool ingerida como parte de sua rotina de cuidados com a saúde e 17% trocaram o consumo de bebidas alcoólicas pelo de não alcoólicas. “Essa geração busca formas diferentes de viver a vida”, entende a psicóloga Ceres Araújo, professora da PUC de São Paulo. “Eles sabem que o álcool faz mal e engorda, e acabam se afastando disso.”
Outra pesquisa da Nielsen ressaltou que 70% dos brasileiros com até 35 anos estabelecem como objetivo de vida ter saúde, e uma das formas de alcançar essa meta é pela mudança de hábitos. No quesito consumo de álcool, isso significa beber menos, sem necessariamente abster-se. O momento de encher o copo fica guardado para festas e ocasiões especiais (às vezes, com algum exagero na data escolhida). De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, a prática de beber em binge — ou seja, o consumo de pelo menos cinco doses por homens ou quatro por mulheres dentro de um período de duas horas — subiu de 12,7% para 19,4% no Brasil entre 2010 e 2016. No restante do mundo, houve uma redução de 20,5% para 18,2% entre 2000 e 2016.
Crescente, o movimento dos drinques sem álcool já provoca mudanças importantes no setor de negócios etílicos. Marcas tradicionais como Heineken e Guinness lançaram recentemente no exterior versões de cerveja sem álcool. A AB InBev, dona da Budweiser e da Brahma, entre outras, assumiu o compromisso de fabricar 20% de seus rótulos com pouco ou nenhum álcool até 2025. Um dos movimentos mais emblemáticos foi protagonizado pela Diageo, a segunda maior empresa de destilados do mundo. Em 2016, a dona do uísque Johnnie Walker comprou a Seedlip, companhia britânica especializada em coquetéis sem álcool. No setor de alimentação, as grandes redes de fast-food tiveram de engolir as mudanças de comportamento e substituíram itens calóricos do cardápio por comidas mais saudáveis. A indústria de bebidas sofre agora pressão semelhante e poderá virar a bola da vez — pelo menos no que depender do gosto dos millennials.
Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647