Sociedades médicas se mobilizam para coibir o uso do chip da beleza
Os produtos contêm uma mistura explosiva de hormônios e oferecem graves riscos à saúde
A obsessão do ser humano pelo ideal de beleza é tão antiga quanto os problemas decorrentes dos exageros cometidos nessa busca. Não é preciso ir muito longe para lembrar alguns exemplos. Na década de 80, a colocação no rosto de materiais tóxicos e não biodegradáveis deformou faces para sempre. Na onda de seios fartos, muitas mulheres acabaram com mamas disformes. O mais recente despropósito é a febre do chamado chip da beleza, que de chip não tem nada e muito menos de beleza. O produto é uma bomba de hormônios em forma de bastonetes colocados sob a camada superficial da pele das nádegas com a promessa de aumentar músculos, a disposição e a libido. Anúncios de clínicas médicas oferecendo o novo milagre e as redes sociais popularizaram o engodo de forma irresponsável, como sempre, e não mencionam, claro, que o tal chip é um sério risco à saúde. As consequências estão começando a aparecer. Em muitos consultórios, pacientes chegam manifestando queixas como mudança da textura da pele e acne, aumento de pelos, alteração da voz e crescimento do clitóris. Porém os prejuízos são mais extensos e incluem sobrecarga do fígado, onde os medicamentos são metabolizados, e arritmias.
O tamanho dos bastonetes não passa de 3 centímetros. Mas, como se vê, é o suficiente para danos que podem ser irreversíveis. A razão está no fato de que, dentro deles, há substâncias que sozinhas ou misturadas a outras têm efeito explosivo. Testosterona, hormônio responsável pelas características masculinas, e gestrinona, hormônio sintético que inibe a produção de estrogênio, esteroide sexual feminino, são as principais. O objetivo é promover no organismo alterações próprias da testosterona — ganho muscular, especialmente. A questão é que, em primeiro lugar, qualquer intervenção hormonal deve ser conduzida por médicos especialistas, realizada sob estrito acompanhamento e ser transparente quanto aos medicamentos e doses utilizados, o que não ocorre nesses implantes. Além disso, há décadas a gestrinona é página virada na medicina. Nos anos 1970, a molécula chegou a ser experimentada como opção contra a endometriose, doença caracterizada pelo alojamento de células do endométrio (tecido que reveste a parede interna do útero) sobre os ovários ou na cavidade abdominal. Mas logo foi substituída por alternativas bem mais eficientes e menos danosas. Nos anos 1980 e 1990, ela figurou como uma entre outras possibilidades de terapias hormonais para atenuar efeitos do envelhecimento. Também acabou descartada.
A preocupação é que o composto não é proibido no Brasil e tampouco está na categoria de anabolizante, como é classificado pela World Anti-Doping Agency e, portanto, listado pela entidade como molécula banida. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou apenas uma nota técnica na qual afirma que não estão permitidas a manipulação, comercialização ou outras atividades envolvendo a gestrinona para uso sob a forma de implante ou finalidade estética. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia movimentam-se para acabar com esse vácuo perigoso, uma vez que a nota não tem valor legal. “Nosso objetivo é que a Anvisa atue na fiscalização e coíba o uso da substância”, diz o endocrinologista Alexandre Hohl, da SBEM. A sociedade pede ainda que a gestrinona seja incluída no bulário eletrônico e na lista da agência em que estão 28 fármacos de efeito anabolizante. O intuito é fazer com que a informação seja mais um recurso contra o implante bomba.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765