Saiba como exercícios físicos podem ajudar quem fez a cirurgia bariátrica
Estudo diz que atividades físicas atuam em áreas do cérebro envolvidas na redução da fome ou na aceleração da sensação de saciedade
Exercícios físicos praticados por pacientes submetidos à cirurgia bariátrica atuam em áreas do cérebro envolvidas no consumo alimentar, contribuindo, por exemplo, para a redução da fome ou acelerando a sensação de saciedade. O resultado, observado em pesquisa realizada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), apontou um aliado no controle do peso desses indivíduos.
O estudo mostrou que o programa de treinamento físico iniciado três meses após a cirurgia bariátrica produz alterações funcionais em redes cerebrais ligadas ao consumo alimentar que são modificadas pela obesidade. As descobertas corroboram a hipótese de que exercícios e cirurgia bariátrica agem sinergicamente na conectividade de regiões associadas à cognição, à recompensa e à regulação emocional, favorecendo, em tese, a regulação da fome e da saciedade.
De acordo com o trabalho, o exercício aumentou a conectividade entre o hipotálamo (região cerebral responsável pela regulação do apetite e do metabolismo energético) e as áreas sensoriais. Além disso, reduziu a ligação entre as estruturas cerebrais DMN (Default Mode Hypoconnectivity, na sigla em inglês para “rede de modo padrão”) e a região do cérebro envolvida em processos de tomada de decisão, a chamada rede de saliência (SAL), cuja conectividade é aumentada em pessoas com obesidade.
Os pesquisadores também detectaram no grupo exercitado um aumento de ativação do núcleo hipotalâmico medial, associado com a supressão do apetite e o aumento do gasto energético.
“A regulação do consumo energético é governada por múltiplos sinais internos e externos. Pessoas com obesidade apresentam desregulações importantes na ativação e comunicação de regiões cerebrais associadas com fome e saciedade. Neste estudo, verificamos que o exercício físico contribuiu com a cirurgia bariátrica na ‘normalização’ dessas redes complexas no sentido de melhorar o controle central do consumo de alimentos. Quando o indivíduo está exposto a um alimento gorduroso ou açucarado, por exemplo, algumas dessas áreas estudadas se ativam e se conectam com mais intensidade em pessoas com obesidade, aumentando a vontade de comer. Vimos que os exercícios contrapõem, pelo menos em parte, esse efeito”, explica à Agência FAPESP o professor da FM-USP Bruno Gualano, autor correspondente do artigo publicado no International Journal of Obesity.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio do auxílio à pesquisa “Efeitos do treinamento físico em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica: um ensaio clínico, controlado e randomizado” e é parte do doutorado do primeiro autor, Carlos Merege Filho, bolsista da Fundação. Também colaboraram, entre outros, os pesquisadores Hamilton Roschel, Marco Aurélio Santo, Sônia Brucki, Claudia da Costa Leite, Maria Concepción García Otaduy, Mariana Nucci (todos do Hospital das Clínicas da FM-USP) e John Kirwan (Pennington Biomedical Center, EUA).
Considerada um dos principais problemas de saúde pública no mundo, a obesidade é uma doença crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura no corpo e um importante fator de risco para distúrbios cardiovasculares, musculoesqueléticos e, mais recentemente, também ligada ao agravamento da COVID-19.
O parâmetro usado para diagnóstico em adultos é o Índice de Massa Corporal (IMC), que é calculado dividindo o peso da pessoa (em quilos) pela altura (em metros) elevada ao quadrado. Resultados entre 25 e 29,9 caracterizam indivíduo com excesso de peso e índice igual ou acima de 30, obesidade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estima-se que, em 2030, a doença deve afetar quase 30% da população adulta do Brasil, um dos países com os maiores índices no mundo, e cerca de 1 bilhão de pessoas no total (ou 17,5% dos adultos), segundo o Atlas publicado em 2022 pela Federação Mundial de Obesidade.
Importância
Para Gualano, do ponto de vista clínico, os dados da pesquisa sugerem que o exercício físico deve ser considerado como uma importante terapia complementar visando melhorar as funções cerebrais. Isso poderia, inclusive, incrementar os conhecidos benefícios da cirurgia bariátrica para os pacientes, como a redução de fatores de risco cardiometabólicos, a preservação da massa muscular e da saúde óssea.
Desde 2018, o grupo de cientistas do qual o professor faz parte vem pesquisando o tema e já publicou outros artigos. Um deles mostrou que o exercício físico atenua e reverte a perda de massa muscular, melhorando a força e o funcionamento dos músculos de pessoas com obesidade submetidas à cirurgia bariátrica. Por meio de análises moleculares, ficou demonstrado que o treino físico modulou mecanismos intramusculares capazes de aumentar a massa muscular.
O outro trabalho apontou que o treinamento reduziu fatores de risco de doenças associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e aterosclerose por potencializar a sensibilidade à insulina, reduzir a inflamação e melhorar a saúde dos vasos sanguíneos.
Método
O estudo controlado randomizado envolveu 30 mulheres, com idade entre 18 e 60 anos, submetidas à cirurgia bariátrica por meio da técnica bypass gástrico em Y de Roux, em que há redução do tamanho do estômago e desvio intestinal. As mulheres são maioria no Ambulatório de Cirurgia Bariátrica do Hospital das Clínicas da FM-USP. Não foram incluídos adolescentes nem idosos.
De forma aleatória, metade delas passou pelo treinamento físico e a outra não. A intervenção de exercício foi realizada com supervisão de profissional de educação física durante seis meses – três vezes por semana (resistência mais exercício aeróbico) – e iniciada três meses após a cirurgia.
Parâmetros clínicos, laboratoriais e de conectividade funcional cerebral foram avaliados em três etapas – no início do estudo e, depois, no terceiro e nono mês após a cirurgia. Para analisar o efeito combinado do procedimento cirúrgico com o exercício físico, os pesquisadores usaram ressonância magnética funcional – uma técnica de imagem que mostra a ativação de regiões do cérebro. A coleta de dados ocorreu entre junho de 2018 e agosto de 2021.
“A literatura já mostra que quem faz cirurgia bariátrica apresenta inúmeras alterações cerebrais compatíveis com a melhora do controle de apetite, de saciedade e da fome. São centros cerebrais que comandam o consumo alimentar. Nesta pesquisa vimos que o exercício potencializa essa resposta”, afirma Gualano, destacando que a mudança no estilo de vida é extremamente importante para manter os benefícios obtidos pela redução do peso para pessoas com obesidade.
Atualmente, as cirurgias bariátricas podem ser feitas em pacientes com IMC entre 30 e 35 com diabetes tipo 2 sem controle há mais de dois anos; indivíduos com IMC acima de 35, desde que tenham outras doenças associadas ao excesso de peso, como hipertensão, apneia do sono ou esteatose hepática (gordura no fígado). Já para pessoas sem comorbidades é preciso ter IMC acima de 40.
No Brasil foram realizadas 311.850 cirurgias bariátricas nos últimos cinco anos, das quais 14,1% custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o restante por planos de saúde ou particulares, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).
“Quando fazemos exercício físico, sabemos que há uma série de adaptações fisiológicas que se traduzem em benefícios terapêuticos. Por outro lado, se o indivíduo deixa de se exercitar, os ganhos se revertem. Nosso estudo, no entanto, não verificou por quanto tempo perduram as mudanças cerebrais com o exercício físico. É muito provável que diminuam de intensidade, até com algum grau de reversão, à medida que o paciente interrompa o exercício. Incorporar um estilo de vida saudável é fundamental para que haja uma durabilidade das respostas da cirurgia”, completa.
Entre os próximos passos, o grupo pretende estudar os efeitos da combinação dos exercícios e da dieta com outras estratégias para emagrecimento em pessoas com obesidade. Entre elas estão as novas classes de medicamentos antiobesidade, como os peptídeos análogos às incretinas, que são hormônios intestinais liberados na presença de glicose e que sinalizam ao cérebro que estamos alimentados.
No início de janeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no Brasil o primeiro medicamento injetável de uso semanal para sobrepeso e obesidade cujo princípio ativo é a semaglutida. Entre as ações que desempenha no organismo está o aumento da sensação de saciedade e redução do apetite, o que resulta em substancial perda de peso e melhora no controle glicêmico.