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Prêmio Nobel 2024: “É um mecanismo fundamental de como a própria vida se dá”

O geneticista Hugo Aguilaniu, à frente do Instituto Serrapilheira, conhece de perto um dos laureados e comenta a relevância do seu trabalho sobre microRNAs

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 out 2024, 15h27 - Publicado em 7 out 2024, 15h17

O Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2024 foi concedido aos cientistas americanos Gary Ruvkun e Victor Ambros pela descoberta dos microRNAs e o papel dessas pequenas moléculas na regulação dos genes.

Os laureados revelaram ao mundo novas peças do complexo quebra-cabeça da genética, decifrando partículas que, no fundo, exercem influência nos mecanismos que regem a vida de organismos que vão de vermes a seres humanos. 

O geneticista francês Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, entidade de apoio à pesquisa e à divulgação científica no Brasil, teve a oportunidade de conhecer e trocar ideais com um dos eleitos, Gary Ruvkun, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

A VEJA ele compartilha o impacto dos achados da dupla para a biologia, suas implicações práticas e a beleza da ciência no esclarecimento das bases da vida.

+ LEIA TAMBÉM: O que são microRNAs, elementos consagrados com o Nobel de Medicina?

Por que essa descoberta revolucionou o entendimento da genética?

Antigamente, a partir do sequenciamento de genes de espécies como o C. elegans [um tipo de verme] e outros bichos, a gente sabia que era possível identificar um gene porque ele sempre começava da mesma forma e acabava da mesma forma. Então, quando você tem a sequência inteira do genoma, consegue dizer o que é gene e o que não é. E a gente achava que a regulação desse processo, o que faz com que um gene se expresse muito ou não, era essencialmente uma sequência que vinha antes do gene em si – o que a gente chama de promotor.

Sabemos também que existem promotores fortes e outros não, e as pessoas entendiam que esse era o jeito de regular a expressão gênica. Uma coisa que chamava a atenção é que, além dos genes e dos promotores, havia muitas sequências que não se sabia para que serviam – por isso elas foram chamadas de junk DNA [DNA lixo]. “Junk” porque a gente não sabia o que era.

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Bem, o Gary e o Victor perceberam que algumas sequências eram super-repetidas e entenderam que essas sequências na verdade davam apenas um RNA, sem resultar numa proteína depois. E descobriram que esses microRNAs têm uma função na regulação da expressão gênica. Eles têm muito a ver também com o processo de silenciamento da expressão de um pedaço do DNA. Ou seja, representam outra forma de regular a expressão gênica. Daí a descoberta tão importante. A partir desses estudos, a regulação pelos microRNAs se tornou algo estabelecido na biologia. Falamos de descobertas de 25, 30 anos atrás.

Seria possível utilizar essas descobertas em aplicações práticas na medicina?

Seria um jeito diferente de intervir nos genes. O CRISPR [método de edição genética], por exemplo, é uma ferramenta que ajuda a cancelar um gene específico. Em teoria, daria para imaginar um remédio à base de microRNA que poderia regular, aumentar ou diminuir a expressão de um gene por trás de uma doença.

A aplicação em si seria muito simples, mas isso na teoria, porque na prática é difícil. O RNA é uma molécula instável, não é tão fácil fazer um medicamento de RNA. A esperança é que encontrar uma forma química de criar um microRNA capaz de chegar a uma célula e, ali, regular a expressão de um gene que levaria à expressão de uma doença. Isso poderia ajudar a curar pessoas.

E haveria outras aplicações além da saúde humana?

Na agricultura, por exemplo. Imagine que existe um gene em uma plantação qualquer, vamos dizer, de milho, um gene do milho que confere maior resistência ao estresse hídrico. Você poderia utilizar um microRNA para regular esse gene a fim de promover um cultivo mais resistente ao estresse hídrico. Então, evidentemente, há um potencial de utilizar esse meio para alterar algum aspecto de qualquer ser vivo pela expressão de um gene.

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E o senhor conheceu um dos laureados, Gary Ruvkun…

Eu conheci o Gary porque ele trabalha com o C. elegans. Todo o trabalho dele foi feito com esse pequeno organismo. Ele trabalhou um pouquinho com camundongos, mas foi principalmente com o C. elegans que desenvolveu sua pesquisa. Quando eu entrei na área, ele atuava no campo de estudo do envelhecimento. O Gary trabalhou muitos anos investigando o metabolismo da gordura, que é um fenômeno muito importante para o envelhecimento. Então ele decidiu misturar as duas coisas: estudar o impacto dos microRNAs no envelhecimento, o que fazia todo sentido.

É um pioneiro, um sujeito que fazia perguntas originais. Tive muitas trocas com ele, essencialmente sobre essas questões mais técnicas e sua interpretação. E sempre me chamou a atenção que eu dava tudo, a vida inteira, para entender um cantinho do meu campo de estudo, e ele não só trabalhava num campo inteiro como também em outro. Sempre me impressionou sua capacidade de lidar com assuntos diferentes, sua abrangência de pensamento. Que é algo que depois desenvolvi com o Serrapilheira, mas aí é outra história…

O Nobel coroa o esforço de pesquisadores como ele?

A importância desse Prêmio Nobel é o reconhecimento de um mecanismo absolutamente fundamental de regulação da expressão gênica. Basicamente, de como a própria vida se dá. E não se pode esquecer do papel do Victor também. O Victor Ambros participou muito dessa história, ambos publicaram grandes artigos científicos naquele mesmo momento. E já ganharam outros prêmios também. A gente já sabia que a descoberta deles era muito importante.

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