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Por saúde mental, avança no mundo aceitação de substâncias psicodélicas

A tendência à reabilitação dessas substâncias no quadro das doenças mentais se faz presente inclusive no Brasil

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h17 - Publicado em 8 jul 2023, 08h00
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  • A expressão “domar o tigre da cetamina” se popularizou entre os cientistas que, nos anos 1960, viam no sedativo com efeitos alucinógenos — amplamente usado por anestesistas em cirurgias — potencial para recuperar pessoas com a saúde mental abalada. A guerra às drogas decretada pelo governo americano na década seguinte, porém, colocou a cetamina e outras substâncias psicodélicas na lista dos itens proibidos, engavetando as pesquisas sobre seu uso em outras áreas. A situação começou a se reverter em 2018, quando a respeitada FDA, agência reguladora das drogas e alimentos autorizados nos Estados Unidos, qualificou a psilocibina, derivada dos chamados “cogumelos mágicos”, como “terapia inovadora” para o tratamento de depressão e outros distúrbios resistentes aos medicamentos tradicionais — o primeiro passo para sua aprovação. De lá para cá, as pesquisas com alucinógenos foram retomadas e acabam de alcançar uma virada dramática: a Austrália tornou-se o primeiro país a regulamentar o uso terapêutico de substâncias psicodélicas em todo o seu território.

    A decisão, que já fora tomada por alguns estados americanos, prevê que dois alucinógenos, psilocibina e MDMA (o composto do ecstasy), sejam administrados, sob prescrição detalhada de psiquiatras, em clínicas especializadas no tratamento de pessoas com depressão severa e estresse pós-traumático. A decisão foi saudada por cientistas e médicos envolvidos na recuperação de estados depressivos, que afetam ao menos 5% da população mundial — sendo que 30% a 50% dos pacientes não reagem aos antidepressivos convencionais.

    SOB CONTROLE - Clínica de tratamento: uso sob supervisão especializada
    SOB CONTROLE - Clínica de tratamento: uso sob supervisão especializada (Alexandre Moreira/.)

    Cetamina injetável, cápsulas de psilocibina e outros medicamentos estão na linha de frente dos diversos estudos e avaliações em andamento em vários pontos do planeta. “O conhecimento mais amplo dos psicodélicos abre uma fronteira de pesquisa relevante para lidarmos com os problemas gerados pelo mundo urbano contemporâneo”, afirma o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade do Rio Grande do Norte. O uso desses recursos requer acompanhamento de profissionais em espaços controlados, onde os pacientes têm os sinais vitais monitorados para controlar possíveis episódios de tontura, ansiedade, fraqueza e náuseas.

    No Brasil, a terapia assistida por psicodélicos — ainda sujeita a autorização especial — já começou a ser oferecida em clínicas particulares, em sessões que duram de 45 a sessenta minutos. Os alucinógenos atuam em vias cerebrais capazes de minimizar ou desativar as manifestações depressivas, um mecanismo distinto das pílulas usuais — e, em geral, com menos efeitos colaterais.

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    A busca por mais opções para o tratamento da doença e com meios que sejam mais avançados do que os antidepressivos também inclui drogas que não são psicodélicos, mas que traçam outros caminhos para alcançar resultados positivos. Um exemplo disso é o o spray intranasal de escetamina, aprovado em 2020 no país para lidar com pacientes vítimas de depressão resistente. Ela tem afinidade pelos receptores de glutamato e, em estudos, demonstrou segurança e eficácia inclusive em quadros com ideação ou comportamento suicida. E não produz alucinações. “Entre 60% e 70% dos pacientes demonstram benefícios. A melhora pode não ser imediata, mas as mudanças aparecem no máximo após um mês”, diz o psiquiatra Mario Juruena, professor do britânico King’s College London.

    arte psicodílicos

    Os resultados positivos ocuparam o centro das discussões do último congresso da Associação Americana de Psiquiatria e do encontro da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos, que congrega 10 000 pesquisadores e entusiastas. “É empolgante ver a recuperação ocupacional completa das pessoas até então sem resposta aos tratamentos”, diz o psiquiatra Rodrigo Bressan, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Não se trata, evidentemente, da aposentadoria dos antidepressivos convencionais. Mas a maior parte dos especialistas enxerga uma nova e promissora trilha na prescrição e utilização controladas da psilocibina e afins — até porque alguns experimentos em curso exploram a possibilidade de se obter a ação esperada nos neurônios sem a obrigatória passagem pela viagem alucinógena. Ao que tudo indica, o tigre a ser domado mais de meio século atrás está cada vez mais capacitado a saltar com precisão sobre a depressão e outras doenças mentais.

    Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849

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