Ao mesmo tempo em que o mundo começa a se acostumar com a ideia de coexistir com o novo coronavírus em um futuro próximo, as organizações globais de saúde estão fazendo planos para erradicar outro agente que atinge a humanidade há anos: o vírus da poliomielite.
A Global Polio Eradication Initiative, uma parceria público-privada liderada por governanças nacionais e grupos de saúde, lançou nesta semana um plano de mais de 5 bilhões de dólares para erradicar a pólio até 2026. A doença pode deixar sequelas severas ou até mesmo levar o paciente a morte e há anos existe uma tentativa de livrar o mundo dela, principalmente com campanhas de vacinação para as crianças, porém com sucesso relativo.
Muitos países lidam com crescimentos esporádicos da pólio de tempos em tempos, mas com o início da pandemia muitos programas de vacinação foram interrompidos, levando a uma crescente ainda maior. Apenas em 2020, 1.226 casos foram registrados em todo o mundo. Para efeitos de comparação, em 2018 esse número foi de apenas 138.
Apesar do grande aumento de casos, há motivos para comemorar. Em agosto, os países da África declararam que estão livres do poliovírus, fazendo com que Afeganistão e Paquistão sejam as únicas nações no mundo onde a pólio ainda é endêmica. Em novembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) autorizou de maneira emergencial uma nova vacina que tem potencial para minimizar ainda mais os danos causados pela doença.
Esforços anteriores para conter o avanço do vírus já vinham sendo constantemente prejudicados pela falta de comprometimento por parte dos governos e pela ausência de recursos necessários, fatores que podem se agravar ainda mais com o foco total voltado para a Covid-19.
Para evitar isso, a nova estratégia inclui políticas voltadas para aumentar o engajamento político, focando em dois objetivos principais: a integração do programa de pólio com outros programas de vacinação e o foco em áreas onde a doença apresenta maiores riscos e menores taxas de imunização. Além disso, uma nova tática de comunicação será pensada para aumentar a aceitação da vacina.
Com anúncio dos países africanos, agora os únicos surtos causados pelo vírus original ocorrem no Paquistão e no Afeganistão. Desde 2018, cerca de 3 milhões de crianças afegãs foram mortas devido à proibição do Talibã ao programa de imunização de casa em casa. No Paquistão, as comunidades que vivem próximo das fronteiras com o Afeganistão representam cerca de 15% da população do país, onde se concentram mais de 80% dos casos de pólio. A disseminação de notícias falsas relacionadas às vacinas levou a um aumento significativo de casos desde 2018.
A nova iniciativa global prevê a criação de duas equipes para responder aos surtos em no máximo 72 horas. Localizados na região do Mediterrâneo e na região subsaariana da África, a estratégia também irá envolver ministros da saúde locais, para que os governos sejam obrigados a se concentrar no programa de vacinação ao invés de ficar nas mãos de uma enorme organização global.
A Nigéria, um dos países onde a poliomielite era endêmica até junho, mudou a maré após o comprometimento de líderes políticos de todas as vertentes e o foco na conscientização da população para a vacinação. Para restabelecer a pólio como uma prioridade mesmo em países mais pobres, a iniciativa global tem como plano unificar de alguma maneira os programas de pólio, Covid-19 e outras doenças.
Desde o início da pandemia, mais de 30 mil trabalhadores contra o vírus da pólio em mais de 30 países se comprometeram a trabalhar na vigilância da Covid-19 através do rastreio de casos, distribuição de suprimentos, treinamentos de pessoal médico e de trabalhadores da linha de frente.
No Paquistão, por exemplo, os laboratórios de poliomielite forneceram testes e sequenciamento para o novo coronavírus, além do uso da linha telefônica para informações relacionadas à doença e treinamento de profissionais. Já na Nigéria, dados e análises do vírus da pólio foram reconfigurados para servir de base em rastreio das necessidades de saúde da Covid-19.
No Afeganistão, a administração das vacinas contra o poliovírus foram feitas em conjunto com outras necessidades de saúde, como vitamina A e comprimidos de desparasitação. Ao mesmo tempo, as grandes desinformações relacionadas ao programa de imunização da Covid-19 fizeram com que algumas campanhas ficassem estagnadas.