“Passaporte da vacina” pode trazer de volta direito de ir e vir
Autoridades avaliam implementar um documento digital que comprove imunidade à Covid-19 tanto para viajar quanto para frequentar shows, cinemas e teatros

Desde que as autoridades da China anunciaram a eclosão de um vírus que provocava sintomas semelhantes a pneumonia, em 31 de dezembro de 2019, tudo mudou no trabalho, na escola e nas relações pessoais. A vida agora é feita de máscaras, de permanente lavagem de mãos, de menos abraços e mais toques de cotovelos, de trabalho e educação a distância e de restrições a viagens. À medida que a vacina, o tesouro tão esperado, começa a ser aplicada na população mundial — ainda que a passos lentos —, estuda-se a adoção de uma espécie de passaporte de vacinação.
Na prática, funcionaria do seguinte modo: pessoas que já foram vacinadas contra a Covid-19 poderiam voltar a frequentar shows, cinemas e teatros, e principalmente viajar, mediante apresentação do documento. Dinamarca e Israel são os primeiros países a se organizar para implementar o procedimento. Israel, que está com a imunização de seus cidadãos adiantada (veja a reportagem na pág. 54), vai emitir passaporte verde para os cidadãos vacinados contra o coronavírus. Ele será concedido a quem receber o imunizante e dará ao portador vantagens como frequentar eventos esportivos e culturais, além de não precisar ficar em quarentena ao retornar ao país do exterior. A Dinamarca, por sua vez, anunciou a emissão de um passaporte de vacina digital para que seus cidadãos possam viajar a países que exigem a comprovação de imunização — embora até o momento nenhuma nação tenha formalizado tal obrigatoriedade.
Diversas empresas e grupos de tecnologia também começaram a desenvolver soluções, como aplicativos e cartões digitais que armazenam detalhes de saúde, incluindo resultados de testes de Covid-19 e comprovante de vacinação. A organização sem fins lucrativos The Commons Project fez parceria com o Fórum Econômico Mundial para construir um sistema de passe digital de saúde. O aplicativo CommonPass permite que os usuários carreguem dados médicos, gerando um atestado na forma de QR code, que pode ser apresentado às autoridades sem revelar informações confidenciais. Antes da viagem, o sistema notifica o usuário sobre as regras do local de destino — como prova de teste negativo para o vírus — e, em seguida, verifica se o passageiro atende às exigências, o que lhe possibilita embarcar em voos internacionais.
Dois gigantes da tecnologia, a IBM e a Linux Foundation Public Health, que ajuda autoridades de saúde pública a combater a Covid-19, também estão desenvolvendo softwares nessa direção. A IBM criou o Digital Health Pass, aplicativo que propicia às empresas personalizar os indicadores que julgam necessários para controlar a entrada de funcionários e visitantes, incluindo teste de coronavírus, checagens de temperatura e registros de vacinação. Já a Linux Foundation se juntou à Covid-19 Credentials Initiative para elaborar um conjunto de padrões universais que sejam utilizados pelos aplicativos. O infectologista e epidemiologista Bruno Scarpellini, da PUC-RJ, explica: “Certificados de vacinação para viajantes já são exigidos para algumas doenças e isso deve ser uma tendência global, porque pandemias são uma questão de segurança nacional e internacional, que impactam a população e o setor produtivo”.
A rigor, esse procedimento já é utilizado no turismo internacional. Na década de 60, em meio à epidemia de febre amarela, a Organização Mundial da Saúde lançou um documento de viagem internacional conhecido como cartão amarelo. Até hoje, viajantes de certas regiões (Equador, Peru e países do Sudeste Asiático) são obrigados a mostrar uma versão desse cartão quando chegam aos aeroportos. Embora sejam restritivas, essas ações podem, sim, ajudar a controlar a pandemia e melhorar a circulação de pessoas. Por outro lado, os passes digitais talvez tragam alguns problemas ao dividir a sociedade entre aqueles que tiveram acesso à vacina e os que não a tomaram.
Episódios semelhantes de segregação, é verdade, já aconteceram no passado. No século XIX, em Nova Orleans, Estados Unidos, a imunidade contra a febre amarela chegou a dividir as pessoas entre as que já haviam contraído a doença e sobrevivido e as que nunca tinham sido acometidas pela febre. No caso, ter a imunidade garantia o direito de ir e vir, liberdade para se casar e pedir emprego. Aos outros, restavam as restrições.
Evidentemente existem algumas dificuldades para a implementação de um passaporte global — a diferença entre a eficácia das vacinas em uso, questões de privacidade e o grande subconjunto da população global que ainda não usa ou tem acesso a smartphones são algumas delas. Para resolver esse último impasse, algumas empresas já estão trabalhando em soluções, incluindo um cartão que seria um meio-termo entre os certificados em papel e a versão on-line mais fácil de armazenar. Quanto à privacidade, caberá ao usuário consentir ou não o compartilhamento de seus dados, além de escolher o nível de detalhe que deseja fornecer. Os defensores do documento lembram que o deslocamento entre países nunca foi livre. Afinal, as nações exigem passaporte e visto. Por isso, não se espante se a Covid-19 inaugurar uma nova era, na qual o certificado da vacina venha a ser o documento mais importante numa viagem.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721
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