O Parkinson — distúrbio neurodegenerativo que prejudica as células cerebrais e causa problemas de movimento — pode ter origem no apêndice, de acordo com um estudo publicado na quarta-feira (30) no periódico Science Translational Medicine. De acordo com os pesquisadores, o órgão — que muitas pessoas consideram “desnecessário” — é um importante reservatório da proteína alfa-sinucleína, que está intimamente ligada ao início e à progressão da doença. A pesquisa ainda descobriu que a remoção do apêndice está associada à uma redução de cerca de 20% na probabilidade de desenvolvimento da doença.
Embora não seja o primeiro estudo a sugerir a relação entre o Parkinson e o intestino — ou mesmo o apêndice —, este é um dos maiores já realizados sobre a questão. “Apesar de ter uma reputação negativa, o apêndice atua no sistema imunológico, regulando a composição das bactérias presentes no intestino e, como mostra nosso trabalho, também está relacionada ao desenvolvimento do Parkinson”, disse Viviane Labrie, do Instituto de Pesquisa Van Andel, nos Estados Unidos, ao periódico britânico The Telegraph.
Remoção do apêndice
A pesquisa foi dividida em duas etapas que avaliaram a associação entre a remoção do apêndice, os riscos de Parkinson e a presença da proteína alfa-sinucleína. Na primeira parte do estudo, os pesquisadores analisaram duas grandes bases de dados: uma que continha informações sobre mais de 1,6 milhão de pessoas na Suécia e outra com dados de 849 pacientes internacionais que tinham Parkinson — ambos indicaram quais participantes tiveram o apêndice removido.
A investigação mostrou que os indivíduos cujos apêndices foram removidos corriam um risco 19% menor de desenvolver o distúrbio mais tarde na vida. Entretanto, este resultado estava condicionado à remoção precoce do órgão, ou seja, décadas antes do início típico da doença, aos 50 anos.
No caso de o Parkinson surgir após a remoção do órgão, os sintomas se manifestaram em média 3,6 anos depois em comparação com pessoas que não passaram pelo procedimento cirúrgico.
Em indivíduos que vivem na zona rural, a apendicectomia pode reduzir em cerca de 25% o risco de desenvolvimento da doença. Segundo especialistas, o aumento da taxa ocorre porque, naturalmente, essas pessoas já estão mais predispostas à doença devido à maior exposição aos pesticidas. Estudos sugerem que esses produtos estão conectados ao surgimento do problema.
Apesar dos resultados, Viviane alerta que a remoção do apêndice revela apenas uma redução no risco e não a proteção completa contra o Parkinson, já que a origem do distúrbio pode estar em diversos locais do organismo. “Uma das coisas que não queremos transmitir às pessoas é que elas devem fazer apendicectomias preventivas ou que a presença do apêndice já confirma o Parkinson no futuro”, disse à Live Science.
Além disso, a redução do risco não esse aplica às pessoas que são geneticamente predispostas ao distúrbio, o que corresponde a cerca de 10% dos pacientes que convivem com a doença.
Proteína alfa-sinucleína
Na segunda parte do estudo, os cientistas verificaram a presença da proteína alfa-sinucleína em 48 apêndices removidos de pacientes sem Parkinson. A análise mostrou que alguns dos órgãos estavam inflamados (fator de risco para a doença) e todos continham aglomerados das proteínas que causam estragos no cérebro.
De acordo com especialistas, um sinal revelador do distúrbio neurológico são os corpos de Lewy — grandes depósitos da proteína alfa-sinucleína que se formam em torno dos neurônios e impedem a liberação de substâncias químicas que instruem os movimentos e os pensamentos. A hipótese dos pesquisadores é de que a proteína “viaje” do trato intestinal até o cérebro, aumentando a probabilidade de desenvolvimento do distúrbio neurológico.
Diferentes origens
Por outro lado, os aglomerados também foram encontrados em pessoas saudáveis, indicando que apenas a presença da proteína não é suficiente para causar Parkinson. Para a equipe, uma das possibilidades é que a doença seja desencadeada por raros eventos em que a proteína escapa do apêndice pelo nervo vago — que liga o intestino ao tronco encefálico. “Deve haver algum outro mecanismo ou confluência de eventos que permita que o apêndice afete o risco de Parkinson. Isso é o que planejamos olhar em seguida — que fator ou fatores inclinam a escala em favor do problema”, destacou Viviane.
A especialista acredita que os resultados mostram um novo caminho para estratégias de tratamento voltadas para o papel do trato gastrointestinal no desenvolvimento do problema neurológico. “É improvável que essas abordagens eliminem a doença, já que o Parkinson também pode começar em outras áreas do corpo ou do cérebro. Na maioria dos casos, as causas são um mistério. Mas entender como a condição começa e avança é o primeiro passo para pará-la”, salientou Claire Bale, do Parkinson’s UK, no Reino Unido, ao The Guardian.