Ao iniciar o terceiro ano da pós-graduação, o engenheiro civil e pesquisador americano Kazi Albab Hussain tornou-se pai. E como estudante de nanotecnologia ambiental, o plástico estava em sua mente. Até porque não fazia muito tempo, cientistas descobriram que as mamadeiras de plástico despejavam milhões de partículas que os bebês acabavam engolindo. “Naquela época”, diz Hussain, “eu comprava muitos alimentos para bebês e percebia que ali também havia muito plástico”, lembra.
Hussain queria saber, no entanto, o quanto de plástico estava sendo liberado nos tipos de recipientes que comprava. Levando-os vazios para seu laboratório na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, descobriu que quando colocados no micro-ondas, liberavam milhões de pedaços de plástico, chamados microplásticos ou nanoplásticos. Os resultados foram publicados em junho na revista científica Environmental Science & Technology.
Efeitos da exposição ao calor
Os plásticos são complexos de longas cadeias de carbono, chamados polímeros, que misturados aos aditivos químicos, tornam-se resistentes à oxidação, à exposição aos raios UV e outros desgastes. O micro-ondas, porém, oferece um golpe duplo já que oferece calor e promove a hidrólise, uma reação química por meio da qual as ligações são quebradas por moléculas de água. Tudo isso pode fazer com que um recipiente rache e solte pequenos pedaços de microplásticos, nanoplásticos e lixiviados, componentes químicos tóxicos do plástico.
Os efeitos da exposição ao plástico na saúde humana ainda não são claros, mas há anos, os cientistas suspeitam que não são bons. Primeiro, essas partículas são sorrateiras. Uma vez que entram no corpo, se revestem com proteínas que passam incógnitas pelo sistema imunológico – “como cavalos de Tróia”, diz John Boland, professor de química do Trinity College Dublin. Os microplásticos também abrigam uma complexa comunidade de micróbios, chamada plastisfera, que também são transportadas para o corpo.
Os rins são os mais afetados já que é trabalho deles remover os resíduos, se colocando na linha de frente da exposição a contaminantes. Eles, no entanto, são bons em filtrar os microplásticos relativamente maiores, ou seja, provavelmente excretamos muitos deles. Só que os nanoplásticos são pequenos o suficiente para atravessar as membranas celulares e “chegar a lugares onde não deveriam”, afirma Boland, que acrescenta. “Os microplásticos são como restos de plástico: eles entram e são expelidos. Mas é bem provável que os nanoplásticos possam ser muito tóxicos.”
Depois de passarem pelos sistemas de defesa do corpo, “os produtos químicos usados nos plásticos hackeiam os hormônios”, diz Leonardo Trasande, professor da NYU Grossman School of Medicine e diretor do Centro de Investigação de Riscos Ambientais. Os hormônios são moléculas sinalizadoras subjacentes a basicamente tudo o que o corpo faz, então essas substâncias químicas, chamadas desreguladores endócrinos, têm o potencial de mexer com tudo, desde o metabolismo até o desenvolvimento sexual e a fertilidade.
Bebês correm mais risco
“Mas os bebês correm maior risco desses contaminantes”, diz Hussain. Para testar a quantidade de plástico a que são expostos, a equipe de pesquisadores escolheu três recipientes de comida para bebê disponíveis em uma mercearia local: dois potes de polipropileno rotulados como “seguros para micro-ondas” de acordo com as regras da Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, e uma bolsa de comida reutilizável feita de um plástico desconhecido.
Eles substituíram o conteúdo original de cada recipiente por dois líquidos diferentes: água deionizada e ácido acético. Respectivamente, eles simulam alimentos aquosos como iogurte e ácidos como laranjas. Os pesquisadores seguiram então as diretrizes da agência reguladora americana para simular três cenários distintos, mas cotidianos: armazenar alimentos em temperatura ambiente, na geladeira e deixá-los em uma sala quente. Eles também colocaram no micro-ondas os dois potes de polipropileno por três minutos em potência alta. Então, para cada recipiente, eles liofilizaram o líquido restante e extraíram as partículas deixadas para trás.
Para ambos os tipos de fluidos e recipientes de polipropileno, a maioria dos microplásticos e nanoplásticos – até 4,2 milhões e 1,2 bilhão de partículas por centímetro quadrado de plástico, respectivamente – foram eliminados durante a atividade do microondas, em relação às outras condições de armazenamento testadas.
Assim, eles descobriram que temperaturas de armazenamento mais altas fazem com que mais partículas de plástico vazem para os alimentos. Um recipiente de polipropileno, por exemplo, liberou mais de 400.000 microplásticos por centímetro quadrado depois de ser deixado em uma sala quente do que depois de armazenado em uma geladeira (o que ainda fez com que quase 50.000 microplásticos e 11,5 milhões de nanoplásticos por centímetro quadrado fossem derramados no fluido). “Fiquei apavorado ao ver a quantidade de microplásticos no microscópio”, diz Hussain.
Os rins é que sofrem
Para testar o que esses plásticos fazem no corpo depois de consumidos, a equipe colocou esses agentes com um rim humano embrionário já que esse tipo de célula tem muito contato com o plástico ingerido. Após dois dias de exposição a microplásticos e nanoplásticos concentrados, cerca de 75% das células renais morreram – três vezes mais do que as células que passaram dois dias em uma solução muito mais diluída.
Embora a concentração de plástico usada nessas soluções fosse maior do que a que um bebê seria exposto ao comer uma porção de comida aquecida no micro-ondas, Hussain observa que a extensão total do acúmulo de partículas de plástico ao longo do tempo – da comida, do ar e de superfícies – é desconhecido e pode ser alto. Então, diz ele, é importante estudar os efeitos na saúde de altos níveis de exposição.
Inflamação, estresse oxidativo e morte celular
Embora a equipe de Hussain tenha sido a primeira a testar a toxicidade de plásticos em células usando as partículas liberadas de recipientes desses alimentos, uma revisão publicada no Journal of Hazardous Materials no ano passado descobriu que a exposição a microplásticos pode causar morte celular, inflamação e estresse oxidativo. “Os plásticos são um grande problema para a saúde humana”, diz Trasande. “Este estudo apenas aumenta ainda mais a preocupação.”
Os micro e nanoplásticos, porém, não são as únicas partículas que vazam de recipientes de plástico para os alimentos. Quando o plástico é quebrado pelo calor, toneladas de aditivos químicos também são expelidos. Boland alerta que, embora as técnicas usadas no experimento de Hussain não pudessem distinguir entre polímeros plásticos e aditivos químicos, “ambos são provavelmente tóxicos”. Não se sabe se os aditivos químicos são tão ruins quanto os nanoplásticos (ou piores), mas “no final das contas”, diz ele, “nenhuma das coisas que emergem desses plásticos é muito boa para ninguém”.
Autorizado, mas não seguro
Judith Enck, presidente da Beyond Plastics, um grupo que luta contra a poluição plástica, parou de colocar plástico no micro-ondas há 30 anos. “Se você tem filhos ou está grávida, não coloque”, diz. “ Este estudo deve ser um alerta – não apenas para os novos pais, mas para o FDA. Eles precisam ser muito mais proativos.”
Para obter um produto de plástico aprovado para embalagens de alimentos ou bebidas, o fabricante precisa enviar uma quantidade limitada de dados auto-relatados ao FDA. E a agência não tem recursos para testar a segurança de todos os produtos de plástico antes de irem para o mercado ou para verificá-los quando estiverem disponíveis nas lojas.
O polipropileno, por exemplo, é considerado seguro para contato com alimentos – mesmo no micro-ondas – pelo FDA, que permite que as empresas o usem para embalar coisas como alimentos para bebês. Boland discorda: “Não acredito que existam plásticos seguros para micro-ondas”. Trasande e Judith concordam que, embora estudos independentes devam continuar testando a quantidade de plástico liberada pelas embalagens de alimentos, já existem evidências suficientes para mostrar que o “plástico seguro para micro-ondas” não é realmente seguro. “Acho que o FDA precisa dizer às empresas que não é qualquer plástico que pode ir ao micro-ondas”, diz ela.
“Reduzir amplamente a exposição humana aos plásticos exigirá ação do governo e mudanças corporativas abrangentes”, afirma Trasande. Afinal de contas, eles estão no ar, na água e dentro de você”. Judith é enfática em dizer também que não acredita que os fabricantes darão o primeiro passo. “As empresas continuarão a usar plástico enquanto puderem, porque é barato. Isso os motiva mais do que tudo”, comenta.
Mesmo que surgisse uma nova tecnologia que pudesse impedir que os recipientes de plástico espalhassem partículas, Boland suspeita que as empresas não a adotariam sem serem forçadas a fazê-lo por regulamentação. “À princípio, as empresas de alimentos e os fabricantes de plásticos poderiam estar se abrindo para litígios por produtos anteriores”, já que mudar suas embalagens implicaria em estarem produzindo conscientemente algo que liberou microplásticos antes, diz o professor.
Já Judith afirma que uma potencial solução seria a criação de um programa de certificação de terceiros que conecte empresas de alimentos a cientistas independentes para testarem seus produtos e relatarem os resultados à FDA. E ainda há algumas coisas que as pessoas podem fazer individualmente: optar por vidro reutilizável e aço inoxidável, por exemplo. “Não despeje líquidos quentes em recipientes de plástico. E, por favor, pare de colocar plástico no micro-ondas”, alerta Boland, defendendo que os cientistas continuem fazendo pesquisas para entender exatamente quais partículas estão sendo liberadas dos plásticos sob condições específicas. “Se você não pode medir, não pode legislar”, finaliza.