Pais que perderam filhos antes ou após o parto têm novos direitos; entenda
Com política nacional, será ofertado apoio psicológico e exames para investigar causas do óbito; tema sensibiliza país após perdas de Lexa e Tati Machado

Mães e pais que perderam seus filhos durante a gravidez ou após o parto vão passar a receber suporte psicológico e acompanhamento em futuras gestações por meio da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira, 26. A lei prevê que o acolhimento será ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que também deverá prover exames para investigar as causas do óbito fetal ou neonatal e espaços reservados para dar suporte à família.
O tema da perda gestacional e do luto parental tem sensibilizado o Brasil em função de casos recentes vivenciados por pessoas públicas, como a cantora Lexa, a atriz Micheli Machado e a apresentadora Tati Machado, desencadeando debates sobre a urgência de políticas para oferecer suporte emocional quando a espera por um bebê se transforma em um momento de dor.
A lei tem como base o PL 1.640/2022, que tem entre os autores o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha. “Em 2019, construímos um projeto de lei que foi fruto do diálogo com várias mulheres. Estou muito emocionado porque essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto”, disse, em nota.
Segundo o Ministério da Saúde, até então, apenas três unidades da rede pública ofereciam suporte aos pais que perderam os filhos: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto, em São Paulo, e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão.
“O momento da despedida é muito importante no processo de luto. Às vezes, a mãe não consegue ver o bebê logo após o parto, mas, passado o choque inicial, ela quer ter esse momento. E nem sempre temos um espaço adequado para isso”, explica a médica psiquiatra Maria Marta Freire, responsável pelo ambulatório de luto parental do HMIB, que funciona desde 2013 e realiza, em média, 50 atendimentos por mês.
Registro de natimortos
O texto faz ainda alteração na Lei de Registros Públicos e passa a permitir o registro oficial de natimortos com o nome escolhido durante a gestação. Antes, a certidão continha apenas sexo, data e local de nascimento e filiação.
De acordo com o ministério, o Brasil registrou 172.257 óbitos fetais entre 2020 e 2023. O balanço preliminar de 2024, com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), aponta 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais – com 28 dias ou menos de vida –.
O que muda com a lei do luto materno e parental?
O objetivo da nova lei é oferecer assistência especializada para pais enlutados. Assim, ela prevê:
- Oferta de apoio psicológico especializado
- Exames para investigar a causa do óbito
- Acompanhamento de gestações futuras
- Espaços reservados às pessoas em luto
- Criação de protocolos clínicos e treinamento de equipes para acolhimento adequado
“Nós sabemos que o luto materno e parental é uma dor silenciosa, mas que grita no coração das famílias. O Ministério da Saúde está do lado dessas pessoas para acolher, respeitar e humanizar essa perda”, disse Padilha.
O que não dizer após uma família perder um bebê?
Muitas pessoas não compreendem que a perda gestacional tem o mesmo peso da morte de um filho em qualquer idade. O vínculo entre os pais e os bebês é criado ainda durante a gravidez com o hábito de conversar com o feto ou cantar para ele, além de fazer carinho na barriga e realizar os preparativos para o quartinho da criança e o nascimento.
“O luto perinatal é uma experiência única e profundamente pessoal. Para algumas pessoas, o processo pode durar semanas, para outras, meses ou até mais tempo. Não há um prazo certo ou errado para lidar com essa perda, já que cada um tem seu próprio ritmo para processar a dor e as mudanças que ela traz”, diz psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline.
É fundamental ter empatia e não magoar as famílias com frases que minimizam a perda. “Frases como ‘foi melhor assim’ ou ‘Deus quis dessa forma’ podem parecer inofensivas, mas invalidam os sentimentos de quem está enfrentando a perda. É importante oferecer escuta atenta, sem julgamentos, e respeitar o momento de luto.” Também não é indicado lembrar que a pessoa pode ter outros filhos, pois nenhuma criança substitui outra que morreu.
Essa é uma dor que nunca será esquecida, mas, com acolhimento das pessoas próximas e políticas públicas de acolhimento, é possível mitigar o sofrimento e ressignificá-lo.