Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Os riscos da ‘produtividade tóxica’ no home office

A prática pode levar as pessoas a trabalhar o dia todo, sem horário nem fim de semana — uma rotina que não faz bem a ninguém

Por Jana Sampaio Atualizado em 30 jul 2021, 11h26 - Publicado em 30 jul 2021, 06h00

Em meados do século XVIII, quando estavam em curso as grandes transformações promovidas pela Revolução Industrial, o economista francês François Quesnay cunhou o termo “produtividade” para indicar o nível de eficiência em produzir o máximo no menor tempo possível. Entregar um bom resultado nesse quesito se tornou valoroso no mundo do trabalho e um marcador do sucesso da economia de um país — isso até a pandemia chegar e, também aí, chacoalhar as regras conhecidas. O conceito original continua valendo, mas a disseminação do home office, que incorporou o escritório ao ambiente doméstico, esgarçou os limites da jornada e cultivou o que vem sendo chamado de “produtividade tóxica” — a situação em que a pessoa acorda e vai dormir trabalhando, com efeitos negativos para o bem-estar, a saúde mental e o próprio desempenho.

O excesso é sentido intensamente no Brasil: em uma pesquisa recente com trabalhadores de oito nacionalidades, realizada pela Microsoft em parceria com a Universidade Harvard, os brasileiros foram os que mais se disseram exaustos com o ritmo do batente na modalidade remota, em que muita gente ainda patina para encontrar o equilíbrio. “Aprender a lidar com este novo cenário é uma forma de evitar que a saúde seja afetada”, reforça a psicóloga Juliana Camilo, professora da PUC-SP. Estabelecer as fronteiras para um trabalho a distância saudável exige esforço e capacidade de adaptação (veja recomendações abaixo). Isolada em casa dois meses depois de ser contratada como assessora tributária da multinacional Ernest & Young no Rio de Janeiro, a carioca Thamires Castro, 27 anos, precisou refazer sua rotina para não passar o dia inteiro ligada na tomada profissional. “Até hoje tenho dificuldade de encerrar o expediente, mas entendi que, se não preencher meu tempo com outras atividades, vou acabar rendendo menos”, explica ela, que começou a fazer uma pós-graduação e a se exercitar em um parque.

arte Produtividade tóxica

Produzir em casa tem vantagens tanto para os empregados — elimina o tempo perdido no trânsito e o gasto com refeições, além de permitir uma divisão mais individual do tempo — quanto para os empregadores. Segundo um estudo da Fundação Instituto de Administração (FIA), 94% das empresas brasileiras dizem ter atingido ou superado as expectativas de resultados com o home office — metade delas, inclusive, estima que a produtividade média da equipe aumentou. A administradora Fernanda Paes, 29 anos, voltou a morar com os pais em Guarulhos, na Grande São Paulo, e graças ao trabalho remoto foi selecionada há um mês para uma vaga de assistente de projetos em uma agência internacional. “O único ponto negativo é não conviver tanto com os colegas, o que faz com que o aprendizado não seja tão fluido”, avalia.

Fernanda Paes
Fernanda Paes – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/.)

Flexibilidade é vida

“O melhor do trabalho remoto é decidir meu horário. Rendo bem melhor à tarde do que de manhã. Desde que entregue os projetos, não faz diferença começar às 7 ou às 11 horas.”

Fernanda Paes, 29, administradora

Quando o fato de estar em casa contribui para o desenvolvimento de uma obsessão por trabalhar o tempo todo, porém, o ganho se dilui e a produtividade, ao contrário, acaba diminuindo. Na pesquisa da Microsoft com a Harvard, 44% dos brasileiros em casa se disseram exaustos e reclamaram do número de reuniões e ligações e da quantidade de mensagens fora do expediente, que praticamente dobraram durante a pandemia. Eles se declaram mais consumidos pelo frenesi do que alemães, americanos e japoneses. O estudo ouviu 6 000 usuários da plataforma Microsoft Teams, serviço de videoconferência e compartilhamento de arquivos, e apontou a falta de divisória entre vida profissional e pessoal e a jornada mais esticada como motores do esgotamento.

Outra pesquisa, esta da empresa brasileira de recrutamento Cia de Talentos, mostra que falhas de pessoas em cargos de comando, que prescindem de preparo e clareza na definição de objetivos, levam à tensão dos subordinados em home office. “É inegável que a pressão sobre os profissionais aumentou”, confirma Sofia Esteves, pesquisadora de gestão de pessoas e presidente da empresa. Funcionário de um grande escritório de advocacia em São Paulo, Alberto (ele pediu para não ser identificado por temer represálias), 28 anos, chega a trabalhar dezenove horas nos dias mais caóticos, é acionado com frequência nos fins de semana e começou a tomar remédio para ansiedade por causa do excesso de tarefas. “As pessoas acham que, por estar em casa, eu permaneço disponível o tempo todo”, queixa-se. Solicitado, o funcionário se envolve, entra em contato com os colegas e, até sem perceber, põe em movimento o ciclo ininterrupto de trabalho, não se permitindo aqueles imprescindíveis momentos de relaxamento.

Thamires Castro
Thamires Castro – (Ricardo Borges/.)

Pausa programada

“Ainda não tenho coragem de ir à academia, mas me obrigo a fazer atividades ao ar livre. Também iniciei uma pós-graduação. Sei que, se não me mexer, vou produzir menos.”

Thamires Castro, 27, assessora tributária

Tentando se adequar à nova era e evitar a fuga de talentos, as empresas têm contratado consultorias especializadas em saúde mental e adotado medidas para aprimorar o sistema de home office, principalmente para funcionários que precisam conciliar o expediente profissional com afazeres domésticos e o cuidado de filhos e pets. O Hospital Israelita Albert Eins­tein, de São Paulo, registrou nos últimos meses uma alta de 400% na procura por esse tipo de assessoria. “O assunto tem de fazer parte da pauta estratégica das companhias, como acontece com a área financeira e jurídica. Caso contrário, a conta vai ser paga em despesas de demissão e afastamento”, alerta Raquel Dilguerian, médica responsável por saúde corporativa do Einstein.

A reação no ambiente corporativo é necessária e bem-vinda. Ao perceber que o nível declarado de stress, ansiedade e depressão do seu pessoal saltou de 16% em 2018 para 43% em 2020, a rede de laboratórios Fleury passou a oferecer aulas de ioga, meditação e mindfulness, atendimento nutricional e um aplicativo para medir a qualidade do sono, também afetada pelos turnos extenuantes. O gigante do setor de bebidas Ambev criou uma diretoria só para tratar dos excessos em home office, que desenvolveu um guia prático para líderes, treinamento on-line das equipes e lives sobre gestão de tempo. A BR Distribuidora proporciona atendimento psicológico virtual aos funcionários e a Johnson & Johnson estimula seus empregados a tirar uma sexta-feira de folga por mês para relaxar. “Nas empresas insensíveis a essas questões, o rendimento do funcionário certamente cairá. Mas se, apesar da pressão constante, houver diálogo e alguma forma de compensação, a chance de ele manter ou até aumentar a produtividade será maior”, ensina Gabriela Casellato, especialista em intervenções em crise. No universo profissional pós-pandemia, parte do trabalho se mudou definitivamente para dentro de casa, embaralhando as fronteiras de mundos paralelos. Sairá ganhando quem souber circular com segurança pelos dois, sem deixar que um engula o outro.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.