A pandemia, entre tantas outras reviravoltas no cotidiano, forçou as pessoas a permanecer dentro casa, em quarentena — sem nem mesmo uma saidinha para tomar sol. Com a chegada das férias, deu-se um pequeno dilema que, se não é dramático, anda na cabeça dos brasileiros tal qual uma instituição nacional a ser defendida: e a tradicional marquinha de sol do biquíni e da sunga, que na véspera das festas de fim de ano já deveria estar desenhada? Como cultivá-la? Então, como efeito colateral da clausura, o que se vê agora são mulheres e homens em busca de uma solução para os corpos pálidos, longe do desejado tom de quem foi exposto à luz solar.
A solução mais rápida tem sido buscar os chamados cosméticos autobronzeadores. Nos últimos meses, viraram um pequeno fenômeno de interesse, em seus mais diferentes formatos: em creme, óleo, água e musse. As vendas cresceram 40% no segundo semestre deste ano. Para chegar aos tons mais saturados da pele, esses produtos normalmente contam com um ativo químico chamado dihidroxiacetona (DHA), que reage em células da camada mais superficial da pele, a epiderme. Da combinação, brota um tingimento artificial em cores ligeiramente mais escuras que o natural, com duração média de sete dias. Até poucos anos atrás, cosméticos para essa função eram enxergados com desconfiança — além de manchar as roupas, cheirar mal e deixar a tez ligeiramente alaranjada. Não é mais assim. Diz Adriana Vilarinho, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia: “O procedimento está aliado à tecnologia de ponta e não tem riscos. Oriento que seja aplicado ao longo do ano todo, combinado com o creme hidratante, para que a cor seja duradoura e homogênea”.
A evolução, como em quase tudo na área cosmética, buscou uma trilha: zelar não apenas pelo bronzeamento, mas pelo cuidado integral da pele. Os autobronzeadores foram desenvolvidos também para hidratação e, nos produtos mais elaborados, representam um “tiro” pontual. “Hoje em dia, eles permitem acertar o tom do bronzeamento de forma muito específica e sem riscos”, diz Gabriel Beleze, CEO da Skelt, empresa curitibana dedicada ao bronze em espuma. E vai longe o tempo de uma outra onda, a das camas de bronzeamento com luz ultravioleta, largamente usadas nos anos 1990 e início de 2000. Em 2009, contudo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária vetou o uso das câmaras pela associação ao câncer de pele, em especial o mais grave de todos: o melanoma, responsável por 43,4% das mortes causadas por esse tipo de tumor. O efeito seria provocado pelo excesso de raios ultravioleta do tipo A (UVA) em quantidades bem maiores que as emitidas pelos raios solares.
O interesse em exibir um corpo dourado no verão remonta a quase 100 anos de história da moda e do estilo feminino. É de Coco Chanel um dos primeiros bronzeados ostentação de que se tem notícia, ainda em 1923. Na época, a lendária estilista causou furor ao desembarcar em Cannes, na Riviera Francesa, com a pele alguns tons mais escuros que o habitual. A moda pegou. Em meados de 1950, as mulheres se dedicavam a uma prática que está na corajosa pré-história do bronzeamento artificial: o uso de saquinhos de chá para tingir pernas e braços que deveriam ser exibidos sob delicados vestidos de corte acinturado. A tendência, agora estimulada por uma infinidade de produtos com tecnologia de ponta, jamais perderá espaço. A marquinha é uma dádiva.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718