O aguçado olfato da enfermeira escocesa Joy Milne, de 68 anos, foi o atalho para um dos mais recentes avanços nas pesquisas médicas relacionadas ao Parkinson, distúrbio do sistema nervoso central progressivo que afeta os movimentos e se caracteriza por tremores e rigidez. A história começou em 1974, quando Joy notou que sentia um cheiro diferente, forte e adocicado, toda vez que o marido, Les Milne, então saudável, se aproximava. Mais de uma década depois, ele foi diagnosticado com Parkinson.
A mulher passou a acompanhá-lo nos encontros com grupos de pacientes que também sofriam de Parkinson. Ela percebeu, nas outras pessoas, aquele mesmo cheiro que emanava do companheiro. Joy contou o caso a um grupo de cientistas, e o relato chegou aos pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido. Deu-se o início, ali, da descoberta de um marcador biológico do Parkinson, uma espécie de “perfume da doença”.
Agora, os estudiosos identificaram a origem do cheiro sentido por Joy. Notaram que ele era mais intenso na parte superior das costas e na testa, mas não nas axilas. Isso significa que o odor não era de suor, mas de sebo, substância produzida pelas glândulas sebáceas na pele. Sabe-se que os portadores de Parkinson apresentam uma concentração maior de compostos produzidos pelo sebo. A equipe coletou amostras repletas dessas substâncias das costas de 64 voluntários — alguns com a doença, outros não. No laboratório, pediram a Joy que cheirasse as amostras e sinalizasse toda vez que o odor característico aparecia. Em todos os casos havia coincidência entre a indicação da enfermeira e a presença do Parkinson nas “cobaias”. Ainda se desconhece por que pessoas com a doença exalam esse odor — algumas pesquisas sugerem que certos micróbios são mais comuns na pele dos pacientes.
O “perfume da doença”, divulgado na semana passada pela revista americana ACS Central Science, pode ser um atalho, no futuro, para o diagnóstico precoce do Parkinson. A enfermidade acomete 10 milhões de pessoas no mundo, 200 000 delas no Brasil. Atualmente, não há nenhum teste definitivo para sua detecção. “O diagnóstico é clínico, quando a doença já está instalada”, diz o neurologista Renato Anghinah, professor da Universidade de São Paulo. O faro de Joy pode ter mudado para sempre essa história.
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629
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