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O que está por trás da polêmica sobre os cigarros eletrônicos

No Brasil, dispositivos são proibidos, mas Anvisa vai receber contribuições da sociedade até 10 de junho para avaliar a regulamentação do produto

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 jul 2022, 17h18 - Publicado em 30 Maio 2022, 14h51

Uma série de tuítes da cantora Doja Cat anunciando o cancelamento de sua turnê por causa de uma cirurgia na amígdala no último fim de semana trouxe à tona o tema do uso de cigarro eletrônico, também conhecido como “vape”. A utilização do produto é polêmica. De um lado, especialistas apontam os riscos para a saúde e desaconselham a adoção dos dispositivos. Do outro, há uma corrente que o defende como opção ao cigarro convencional, uma vez que, segundo os integrantes, eles seriam menos prejudiciais, e serviriam até como um passo para interromper a dependência do cigarro. No Brasil, os dispositivos eletrônicos para fumar são proibidos, mas foi iniciado um debate em 2019 e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai receber contribuições da sociedade até 10 de junho em um processo aberto para avaliar a regulamentação do produto.

Os fãs de Doja souberam que ela estava com um abcesso na amígdala esquerda no último dia 19, quando ela publicou sobre o doloroso atendimento que recebeu. Ela relatou que estava sendo medicada, mas que passou o dia bebendo e “vaporando” – como é chamado o ato de usar o dispositivo – , o que causou um inchaço anormal. “Estou deixando o vape por um tempo e espero não querer mais depois disso”, publicou. No dia seguinte, ela anunciou que sua turnê com a banda The Weeknd estava cancelada porque ela teria de se recuperar da cirurgia.

Nos Estados Unidos, país onde a cantora nasceu, a agência reguladora Food and Drug Administration (FDA) incluiu os cigarros eletrônicos na regulamentação de produtos de tabaco em 2016 e, desde então, a comercialização de novos dispositivos precisa do aval da agência. Em 2019, 29 jovens apresentaram uma misteriosa doença e dois deles morreram após desenvolver o hábito de vaporar. Depois, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) apontou que a causa tinha sido um tipo de óleo chamado acetato de vitamina E utilizado para diluir THC, o princípio ativo da maconha, que, quando inalado, causa lesões pulmonares.

Lá, o uso do dispositivo por crianças e adolescentes é uma preocupação. A Pesquisa Nacional sobre Tabaco para Jovens feita em 2021 apontou que mais de 2 milhões de alunos do ensino fundamental e médio usavam vape, principalmente os aromatizados (85%), tendo acesso a um produto que não é inócuo. No entanto, para adultos fumantes, a visão é de a versão eletrônica devidamente regulamentada pode ser um caminho para abandonar o vício e reduzir a inalação de substâncias sabidamente tóxicas.

Em entrevista para o Instituto Nacional de Câncer americano, Mitch Zeller, diretor do Centro para Produtos de Tabaco da FDA, fez o seguinte questionamento: “Qual é o benefício potencial para os adultos de mudar de cigarros convencionais para cigarros eletrônicos?.” Na resposta, apresentou um dos dados mais conhecidos sobre os cigarros comuns. “Se houver uma mudança completa para um cigarro eletrônico, onde eles ainda podem inalar nicotina, mas estão inalando uma fração dos 7 000 produtos químicos que estão em cada baforada de fumaça de cigarro convencional que entra nos pulmões.”

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É com pensamento semelhante que alguns países estão implementando os dispositivos como parte de políticas públicas de redução dos danos do tabaco para a saúde. Na Inglaterra, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) oferece orientações sobre como utilizar o produto para parar de fumar. Em uma página dedicada ao tema, o NHS diz que um ensaio clínico realizado em 2019 demonstrou que, com suporte especializados, pessoas que queriam largar o cigarro e adotaram os vapes tinham duas vezes mais chances de ter sucesso do que aquelas que utilizaram adesivos ou chicletes.

Entre 2004 e 2015, Louise Ross, gerente de desenvolvimento de negócios do aplicativo Smoke Free, trabalhou no NHS e acompanhou o início da implantação da política de redução de danos com os vapes na Inglaterra no ano de 2014. Ela conta que o dispositivo também se mostrou eficaz em momentos de recaídas. “As pessoas apreciavam o uso do vaporizador, pois significava que estavam menos propensas a voltar a fumar. Sabemos que muitas pessoas voltam a fumar quando têm uma crise ou estão se sentindo um pouco para baixo. Com o uso do vaporizador, elas têm algo muito mais seguro do que fumar um cigarro para poder passar por um momento difícil.”

Brasil ainda debate liberação de cigarros eletrônicos

No último dia 6, a Anvisa prorrogou em 30 dias o prazo de uma consulta pública sobre o tema. O processo regulatório foi aberto em 2019 e a discussão está em andamento desde então. A falta de regulamentação, no entanto, não impede a livre comercialização dos dispositivos.

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Neste debate, entidades médicas defendem que os cigarros eletrônicos continuem proibidos no Brasil. Neste mês, a Associação Médica Brasileira (AMB) assinou uma nota com a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reforçando este posicionamento. As associações dizem que a fiscalização precisa ser intensificada para evitar o comércio do produto, que ocorre no Brasil. “Os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle do tabaco no Brasil.”

Do lado da indústria, a defesa é de que a discussão seja realizada observando a realidade, tendo em vista que não é possível proibir a população do Brasil nem de nenhum país de fumar ou vaporar. A farmacêutica Alessandra Bastos, consultora da BAT Brasil e ex-diretora da Anvisa, explica que, mesmo com a proibição atual, havia 3 milhões de brasileiros fazendo uso de vapes no país em 2021. “Com a regulamentação, será possível saber o que será oferecido ao consumidor, diferentemente do que acontece agora.” Sem isso, segundo Alessandra, o consumidor não sabe o que está usando. “Este é um produto que está na mão da ilegalidade e é preciso maturidade para debater a situação.”

Essa é uma questão que vai demandar dados científicos, discussões equilibradas, observação atenta aos riscos e o olhar sensível para a redução de danos. Lidar com um hábito que atravessa gerações é um desafio, mas a humanidade precisa diminui-lo ao máximo e, assim, reduzir doenças respiratórias e cardiovasculares, casos de câncer e demais doenças associadas.

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