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O que a pandemia da Covid-19 mudou no tempo?

Isolamento alterou o modo que as pessoas percebem a passagem das horas, aponta estudo brasileiro

Por Karina Toledo, Agência FAPESP
Atualizado em 4 jun 2024, 12h11 - Publicado em 27 abr 2022, 12h47

A pandemia de Covid-19 alterou o modo que as pessoas percebem a passagem do tempo, aponta estudo brasileiro publicado na revista Science Advances.

Ao final do primeiro mês de isolamento social, em maio de 2020, a maior parcela dos participantes (65%) relatou sentir as horas se arrastarem mais devagar – fenômeno classificado pelos pesquisadores como “expansão temporal” e que se mostrou associado à sensação de solidão e à falta de experiências positivas no período.

Para 75%, diminuiu a sensação de “pressão temporal” – quando o relógio parece andar depressa e falta tempo para cumprir a demandas do dia a dia e para o lazer. A grande maioria dos entrevistados (90%) afirmou estar cumprindo o isolamento social naquele período.

“Acompanhamos os voluntários durante cinco meses para ver se essa ‘fotografia’ do início da pandemia mudaria ao longo do tempo. Observamos que essa sensação de expansão temporal foi diminuindo com o passar das semanas. Mas não notamos diferenças significativas em relação à pressão temporal”, conta à Agência FAPESP André Cravo, professor da Universidade Federal do ABC e primeiro autor do artigo.

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A pesquisa começou no dia 6 de maio, quando 3.855 voluntários recrutados pelas mídias sociais responderam a um questionário on-line com dez perguntas e cumpriram uma pequena tarefa cujo objetivo era avaliar a habilidade de estimar pequenos intervalos temporais – algo como apertar um botão para sinalizar que 30 ou 60 segundos haviam se passado. Em seguida, os participantes eram questionados sobre a rotina da semana anterior (se haviam cumprido as tarefas necessárias e o quanto tinham dedicado ao lazer) e como estavam se sentindo (felizes, tristes, solitários etc.).

“Todos foram convidados a voltar semanalmente para uma nova avaliação, mas nem todos aderiram. Para a análise final, consideramos os dados de 900 participantes que responderam ao questionário pelo menos quatro semanas, não necessariamente seguidas”, relata Cravo.

Usando escalas padronizadas para pesquisas desse tipo, que variam de zero a cem pontos, os cientistas analisavam as respostas e calculavam, semana a semana, se havia aumento ou queda nos dois parâmetros avaliados: expansão e pressão temporal.

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“Além desse aumento ou queda nas escalas, queríamos descobrir quais fatores acompanhavam as mudanças. E, ao longo dos cinco meses, observamos um padrão parecido: nas semanas em que o indivíduo se sentia mais sozinho e vivenciava menos afetos positivos, também sentia o tempo passar mais devagar. Já em situações com alto nível de estresse, sentia o tempo passar mais rapidamente”, relata Cravo.

Na primeira avaliação, os participantes também foram questionados sobre como percebiam a passagem do tempo antes da pandemia. E, ao comparar as respostas com as referentes ao primeiro mês da quarentena, foi possível observar, em média, um aumento de 20 pontos da expansão temporal e uma redução de 30 pontos da pressão temporal, conta Raymundo Machado, pesquisador do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein e coautor do artigo. “Mas, claro, há um viés de memória nesses resultados, pois não foram feitas medições antes da pandemia”, comenta o pesquisador.

Segundo os dados descritos no artigo, os jovens foram os que mais sentiram o tempo parar no início da pandemia, período de maior adesão às medidas de distanciamento social. Com exceção da idade, fatores demográficos – entre eles o número de pessoas na residência, a profissão e o gênero – não tiveram influência sobre os resultados.

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Para os autores, esse pode ser um efeito do perfil da amostra, composta principalmente de indivíduos da região Sudeste (80,5%), de mulheres (74,32%), com alta escolaridade (71,78% com ensino superior), de classe média-alta (33,08%) e de trabalhadores dos setores de educação (19,43%) e saúde (15,36%).

“Essa é uma característica comum a muitos estudos on-line: maior participação de mulheres, da região Sudeste e com alta escolaridade. Talvez com uma amostra mais representativa da população brasileira conseguiríamos ver a influência de fatores demográficos”, avalia Machado.

Relógio interno

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Embora a pandemia tenha modificado a forma que os participantes da pesquisa sentiam o tempo passar, parece não ter afetado sua habilidade de estimar pequenos intervalos temporais (medida pela tarefa de apertar o botão).

“Todos nós temos a habilidade de estimar o tempo em intervalos curtos. O que fizemos foi pegar os resultados desse teste de estimação do tempo [o quanto superestimavam ou subestimavam o intervalo proposto na tarefa] e compará-los com as escalas de percepção. E vimos que uma coisa não se relaciona com a outra”, conta Machado.

Segundo Cravo, evidências da literatura científica indicam que a sensação de o tempo passar mais depressa ou mais devagar é influenciada principalmente por dois fatores: a relevância do tempo em um determinado contexto e a imprevisibilidade.

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“Por exemplo, se estamos atrasados para o trabalho [o que torna o tempo relevante no contexto] e precisamos esperar o ônibus passar no ponto [algo incerto], temos a percepção extrema de que os minutos não passam. Já quando estamos viajando e nos divertindo, não damos relevância para o tempo e ele parece voar”, diz.

Como destaca o pesquisador, muitas vezes essa percepção muda quando lembramos dessas mesmas situações no passado.

“Quando lembramos de tudo que fizemos nas férias, parece que esse tempo durou mais. É o contrário do que ocorre quando estamos na fila do banco: na hora, o tempo se arrasta, mas quando lembramos da situação após um período, parece que foi tudo muito rápido”, comenta.

No caso da pandemia de COVID-19, diz Cravo, ainda é um mistério como vamos nos lembrar da passagem do tempo durante a fase em que perduraram as medidas de distanciamento social. “Diversos marcadores temporais, como carnaval, festa junina e aniversários, foram perdidos nos últimos dois anos. Portanto, essa é uma pergunta que permanece em aberto.”

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